terça-feira, 11 de abril de 2017

Oficinas de Criação Literária em 2017. Edna Domenica Merola


 Fundamentos,Objetivos, Atividades, Estratégias
Desenho do Planejamento 2017.1. MEROLA.


Atividades Desenvolvidas:

16/3/2017 - Relógio de Memórias

30/3/2017 - Protótipos
1- Movimento espontâneo em grupo com um elemento modelo para imitação grupal. Com rotatividade do modelo.
 "Para construir o estado de criador (a) é preciso saber esvaziar a mente." 
https://www.youtube.com/watch?v=Ai_CM6ENvds
2- Atividade personalizada: escrita de carta de (ou para) as personagens Evelyn, Simone, Lucíola. 

06/4/2017 - Átomo Social
1 - Movimento espontâneo em espelho (duplas e inversão de papéis)
2- Dramatização do Átomo Social da personagem Lucíola no texto "Carta para Helena" de Wilma Generini de Oliveira.
3- Exercício sobre o trecho inicial do Conto de Escola de Machado de Assis.

13/4/2017 
1- Diálogo sobre as possibilidades do escritor tomar empréstimos dos autores canônicos e concomitantemente doar aos personagens: suas memórias de vida, suas reflexões existenciais, etc). Os fatos contados no texto também podem ser empréstimos de vivências (Exs.: eleição presidencial de 1989; memórias fixadas ao mudar de cidade, etc).
A professora enfatizou o mote do projeto pedagógico: complexidade dos temas estudados e compromisso dos alunos em situação de oficina (diferente de sentar na carteira para ouvir a professora expor). 
Reforçou o combinado: no semestre vigente, serão aceitas para divulgação apenas as narrativas escritas a partir das propostas docentes. Quem frequenta as aulas não é obrigado a participar do blog ou de outro tipo de publicação que, por ventura, houver. 
2- Enquete sobre os locais em que se deram os principais fatos dos Relógios de Memórias de cada uma das personagens (Evelyn, Simone, Lucíola).
3- Movimento espontâneo com música (orquestrada).

20/4/2017 - 
1- Jogral sobre as percepções de alunos sobre a oficina de 13/4/2017.
2- Leitura de cartas trocadas entre a professora e os alunos sobre conteúdos do curso.
3- Movimento espontâneo com música.

27/04/2017 
1- Exercício sobre os personagens do Conto de Escola (M de Assis). Diálogo sobre os valores inerentes a cada personagem. A tarefa de casa, portanto é a de criar um personagem à semelhança daqueles (Conto de Escola, M. de Assis). 2- Exercício de imaginação dirigida como aquecimento para a escrita. Escrita. Leitura dos trabalhos. 
3- Explanação sobre as conexões entre o Mito de Perséfone, o Mito de Lilith e os arcanos maiores Sacerdotisa e Imperatriz. 4- Informações sobre dois banners do acervo do N.E.T.I. sobre as Oficinas de Criação Literária: um deles sobre a parte técnica e fundamentos das Oficinas e outro com acrósticos dos alunos do semestre 2016.2.

23 a 27/4/2017 - Leituras sobre o feminino
Nas Oficinas de Criação Literária do NETI, há maioria feminina. O processo de criação de personagens foi ancorado na criação dos protótipos Lucíola (77 anos), Simone (67) e Evelyn (57).  De 23 a 27 de abril, troquei e-mails com alunos distribuindo alguns temas de leituras para subgrupos. Os temas perpassaram as personagens femininas das mitologias: Perséfone, Coré, Deméter, Lilith, Sacerdotisa, Imperatriz.
No mito de Perséfone há o "retrato" de três possíveis lugares que as mulheres ocupam na família: Coré (mulher virgem), Perséfone (mulher casada que ainda não tem filhos) e Deméter (mãe e sogra). O mito de Perséfone conta a história de uma virgem que foi raptada, porque sua mãe não queria que ela se casasse com "o indivíduo". No começo da história, a virgem se chama Coré (que quer dizer "moça"). Depois do rapto ela passa a viver o outono com o marido (Plutão deus do mundo subterrâneo ) e as demais estações com a mãe dela Deméter que mora no Olimpo (morada dos deuses gregos). 
A interpretação psicanalítica é a de que a mulher dependente da mãe, torna-se dependente do marido e passa a ser alguém com dificuldades a se adapatar ao mundo dos adultos. Vide link https://psiqueobjetiva.wordpress.com/2011/09/08/o-mito-de-demeter-e-persefone/
No Tarô de Marselha há duas figuras femininas que são diferentes e talvez complementares para formar o arquétipo feminino: a Sacerdotisa (ou Papisa) e a Imperatriz (que é telúrica e relaciona-se aos signos do zodíaco do elemento terra). Vide os links: http://www.tarotdatransformacao.com.br/2009/09/arcano-ii-sacerdotisa-guardia-de-todos.html
http://www.clubedotaro.com.br/site/m32_03_imperatriz.asp
No Novo Testamento há a figura de Maria: virgem como Coré do Mito de Perséfone. Vestal como a Papisa e mãe como a Imperatriz. Os signos femininos do zodíaco relacionam-se ao elementos terra e água. A mulher do signo de Peixes lembra bem a Sacerdotisa do Tarô. http://mundomulheres.com/signos-do-elemento-agua/
Deixo as perguntas que hoje não querem calar: num futuro próximo, no Brasil, voltarão os tempos em que se expulsavam as Evas de todo e qualquer Paraíso? A mulher numa sociedade sem leis trabalhistas conseguirá estudar, trabalhar e ser mãe? Pensar em retomar a família patriarcal é uma forma ética de agir ou uma maneira de empobrecer ainda mais a população? O que dirão sobre isso as nossas Lucíolas, Simones e Evelyns?

ADENDO - Produção de participante das oficinas sobre as leituras indicadas:
Tarefa: inventar uma personagem feminina ou um personagem masculino.
Exemplos: mãe da Evelyn, pai da Lucíola, avô da Simone. Neto do Curvelo (Conto de Escola). Neto do Pilar (Conto de Escola). Neto do Janjão (Teoria do Medalhão).
1-Ficha de identidade da personagem.
Local e data de nascimento.
Histórico familiar e afetivo.
Como se comunica?
Como se relaciona?
Quais são seus valores?
O que ama? O que o motiva?
Quais são seus ideais?
O que conquistou para si?
O que fez para a comunidade?
Desempenha uma profissão? Qual?

2- Texto narrativo (descrição física e psicológica, atitudes, fatos...). 


Observação: a criação poderá ser compartilhada pelos artistas plásticos ou artesãos do grupo por a)- colagem (recorte de revista, recorte de xerox de fotografias...),  b- desenho. Feito o desenho ou o cartaz de colagem, tire foto, faça vídeo (youtube), faça um power point ou outros recursos que souber.

domingo, 2 de abril de 2017

Oficinas de Criação Literária, 2017.1. Edna Domenica Merola

Desenho de Planejamento (MEROLA, 2017)
 Oficinas de Criação Literária do NETI, 2017.1 
Fundamentos,Objetivos, Atividades, Estratégias



Atividades Desenvolvidas:
16/3/2017 - Relógio de Memórias

‒ Considerando que 1 é a data do nascimento e 12 a atual, foi construído um Relógio de Memórias incluindo itens dados pela docente. 
‒ A partir do Relógio de Memórias, os alunos receberam a proposta de escrever uma carta de apresentação tendo por destinatária a professora das Oficinas.


30/3/2017 - Atividades com os Protótipos





Evelyn (*1960) foi gestada a 
partir dos dados biográficos de sete alunos nascidos nos anos de 1957,1960, 1961 e 1964.






Simone (*1950) representa nove participantes nascidos nos anos de 1946,1947, 1948,1949, 1951, 1953 e 1954. 






Lucíola (*1940) representa sete participantes das referidas oficinas nascidos nos anos de 1935, 1939, 1940,1942 e 1943.




1- Movimento espontâneo em grupo com um elemento modelo para imitação grupal. Com rotatividade do modelo. Iniciado pela leitura da frase de autoria da docente: "para construir o estado de criador (a) é preciso saber esvazia a mente" e pela audição da música disponível em:  https://www.youtube.com/watch?v=Ai_CM6ENvds -
e das que seguem: Danúbio Azul (valsa vienense), Taí (que foi sucesso de Carmen Miranda); A Banda de Chico Buarque; Aquarius e Deixe o Sol Brilhar (ambas integrantes da trilha sonora da peça Hair); O Bêbado e a Equilibrista; Tango para Évora.
2- Atividades escritas personalizadas, utilizando um dos protótipos abaixo. 

PROTÓTIPO 1: Personagem Lucíola
Esse protótipo foi construído a partir dos dados fornecidos por cinco alunas e dois alunos nascidos entre 1935 e 1943. Todas as datas resultam de médias  a partir dos dados do Relógio de Memórias dos integrantes desse grupo etário.

Personagem 1
Nascimento
Entrada na escola
amor
1º emprego
1º voto presidente
Nascimento 1º filho
Mudanças
Percepção
maturidade
Falecimento
pai
Falecimento  mãe
Mudanças tecnológicas
Lucíola
1940
1946
1955
1957
1960
1966
1975 
1978
1980
1991
1992

PROTÓTIPO 2: Personagem Simone
Esse protótipo foi construído a partir dos dados fornecidos por seis alunas e três alunos nascidos entre 1946 e 1954. Todas as datas sintetizam os relógios de memórias dos participantes.

Personagem 2
Nascimento
Entrada na escola
amor
1º emprego
Nascimento 1º filho
Falecimento pai
Percepção
Mudanças
tecnológicas
1º voto presidente
Percepção da
Maturidade
Mudança,
divórcio,
viuvez
Falecimento mãe
Simone
1950
1957
1965
1967
1975
1982
1983
1989
1989
1995
2000
PROTÓTIPO 3: Personagem Evelyn
Esse protótipo foi construído a partir dos dados fornecidos por cinco alunas e dois alunos nascidos entre 1957 e 1964. Todas as datas resultam das sínteses dos relógios de memórias dos integrantes.

Personagem 3
Nascimento
Entrada na escola
amor
1º emprego
Nascimento 1º filho
1º voto presidente
Falecimento pai
Percepção
mudanças
tecnológicas
Mudança,
divórcio,
viuvez
 Percepção da
maturidade
Falecimento  mãe
Evelyn
1960
1967
1973
1978
1986
1989
1994
1997
1999
2001
2003
1 - Movimento espontâneo em espelho (duplas e rotatividade do espelho)
2- Dramatização do Átomo Social da personagem Lucíola no texto "Carta para Helena" de Wilma Generini de Oliveira.
3- Exercício sobre o trecho inicial do Conto de Escola de Machado de Assis.


30/3/2017 - Atividades com os Protótipos
1- Movimento espontâneo em grupo com um elemento modelo para imitação grupal. Com rotatividade do modelo. Iniciado pela leitura da frase de autoria da docente: "para construir o estado de criador (a) é preciso saber esvazia a mente" e pela audição da música de Ravi Shankar, e das que seguem: Danúbio Azul (valsa vienense), Taí (que foi sucesso de Carmen Miranda); A Banda de Chico Buarque; Aquarius e Deixe o Sol Brilhar (ambas integrantes da trilha sonora da peça Hair); O Bêbado e a Equilibrista; Tango para Évora.
2- Atividade personalizada, utilizando personagens prototípicos. 


Atividades de 06/4/2017 
1 - Movimento espontâneo em espelho (duplas e rotatividade do espelho)
2- Dramatização do Átomo Social da personagem Lucíola no texto "Carta para Helena" de Wilma Generini de Oliveira.
3- Exercício sobre o trecho inicial do Conto de Escola de Machado de Assis.
O presente texto relata interferências didáticas   elaboradas pela professora Edna Domenica Merola  e aplicadas à produção de texto epistolar nas Oficinas de Criação Literária do N.E.T.I., cujo público alvo são pessoas maiores de 50 anos Para otimizar o aproveitamento de materiais como as memórias pessoais para a criação de personagem prototípico, a docente criou estratégias como o Desenho do Relógio de Memórias e o Desenho do Átomo Social do protagonista inventado. Conforme Buzan nos ensina: o desenho pode concretizar abstrações e ativar a memória, sendo "uma mapa" útil para o trabalho acadêmico. 


DESENHO DO RELÓGIO DE MEMÓRIAS

Na oficina de 16/3/2017, a professora Edna Domenica Merola solicitou que os participantes situassem, temporalmente, os seguintes fatos ocorridos em suas vidas: nascimento, entrada na escola; primeiro emprego; primeiro voto para presidente do Brasil; nascimento do primeiro filho; mudanças importantes como a chegada a Florianópolis ou o divórcio; a perda de entes queridos, a percepção do próprio amadurecimento e das mudanças tecnológicas. Os alunos receberam por tarefa alocar aqueles itens num relógio no qual 01 hora representava o nascimento e 12 horas a data da aula. Consequentemente, os demais itens deveriam ser escalonados em ordem crescente, conforme vividos, de fato. Em seguida, tiveram por tarefa escrever uma carta de apresentação dirigida à professora com a narração de seu Relógio de Memórias. Em sequência, a professora elaborou síntese dos dados constantes do Relógio de Memórias e das cartas de apresentação. Resultaram três personagens prototípicos. Segue o Relógio de Memórias de Lucíola (*1940) que representa sete participantes das referidas oficinas nascidos nos anos de 1935, 1939, 1940,1942 e 1943.



O que é o Átomo Social?
O Átomo Social retrata o conjunto de papéis que uma pessoa desempenha num dado momento de sua existência, incluindo os complementares desses papéis. O conceito de átomo social é de Jacob Lévi Moreno: o criador do Psicodrama.
"O termo Psicodrama origina-se do grego, sendo drama correspondente a ‘ação’, e psique (psykh) significa: alma, pessoa, mente." (MORENO, 1978). A personalidade é um construto aberto e é pelo desempenho de papéis que se constrói o “Eu” e se revela a plasticidade da existência humana.
Moreno classifica os papéis em: psicossomáticos, psicodramáticos e sociais.
Os papéis psicossomáticos estão ligados ao desenvolvimento do psiquismo humano. Os papéis sociais são por exemplo: mãe, professora, amiga, esposa.
O papel psicodramático está ligado ao faz de conta. Seres tais como um Amigo Imaginário, Papai Noel, Menino Jesus, Deus são exemplos de complementares de papéis psicodramáticos.
Na oficina de 30/3/2017, a professora Edna ofereceu atividades personalizadas para cada participante. Coube a Wilma escrever uma carta na qual a emissora é Lucíola que conta como foi sua escola primária de 1946 a 1949. A carta é datada de 30/3/1950 e endereçada à amiga Helena. Segue desenho do Átomo Social:



O texto de Wilma está disponível para leitura em:

Na oficina de 06/4/2017, o átomo social da carta de Wilma foi dramatizado.

Seguem outros Átomos Sociais de Personagens de textos produzidos na Oficina de 30/3/2017:















Em 13/4/2017 
1- Mostrar a possibilidade do escritor tomar empréstimos dos autores canônicos e concomitantemente fazer doações aos personagens (memórias de vida, reflexões existenciais, etc) e aos fatos contados no texto (reportagens sobre eleição presidencial de 1989; memórias sobre mudanças de cidade, etc).
2- Locais em que se deram os principais fatos da história dos personagens prototípicos
3- Movimento espontâneo: Lara´s Theme. Yesterday. Bolero de Ravel. The Sounds of Silence.

Em 20/4/2017 - Introduzir o referencial teórico: "Estrutura Narrativa"
http://netiativo.blogspot.com.br/2015/12/relatorio-da-oficina-literaria-do-neti.html

Leitura e Dramatização do CONTO DE ESCOLA. Machado de Assis.

A escola era na Rua do Costa, um sobradinho de grade de pau. O ano era de 1840. Naquele dia - uma segunda-feira, do mês de maio - deixei-me estar alguns instantes na Rua da Princesa a ver onde iria brincar a manhã. Hesitava entre o morro de S. Diogo e o Campo de Sant'Ana, que não era então esse parque atual, construção de gentleman, mas um espaço rústico, mais ou menos infinito, alastrado de lavadeiras, capim e burros soltos. Morro ou campo? Tal era o problema. De repente disse comigo que o melhor era a escola. E guiei para a escola. Aqui vai a razão.
Na semana anterior tinha feito dois suetos, e, descoberto o caso, recebi o pagamento das mãos de meu pai, que me deu uma sova de vara de marmeleiro. As sovas de meu pai doíam por muito tempo. Era um velho empregado do Arsenal de Guerra, ríspido e intolerante. Sonhava para mim uma grande posição comercial, e tinha ânsia de me ver com os elementos mercantis, ler, escrever e contar, para me meter de caixeiro. Citava-me nomes de capitalistas que tinham começado ao balcão. Ora, foi a lembrança do último castigo que me levou naquela manhã para o colégio. Não era um menino de virtudes.
Subi a escada com cautela, para não ser ouvido do mestre, e cheguei a tempo; ele entrou na sala três ou quatro minutos depois. Entrou com o andar manso do costume, em chinelas de cordovão, com a jaqueta de brim lavada e desbotada, calça branca e tesa e grande colarinho caído. Chamava-se Policarpo e tinha perto de cinquenta anos ou mais. Uma vez sentado, extraiu da jaqueta a boceta de rapé e o lenço vermelho, pô-los na gaveta; depois relanceou os olhos pela sala. Os meninos, que se conservaram de pé durante a entrada dele, tornaram a sentar-se. Tudo estava em ordem; começaram os trabalhos.
‒ Seu Pilar, eu preciso falar com você, disse-me baixinho o filho do mestre.
Chamava-se Raimundo este pequeno, e era mole, aplicado, inteligência tarda. Raimundo gastava duas horas em reter aquilo que a outros levava apenas trinta ou cinquenta minutos; vencia com o tempo o que não podia fazer logo com o cérebro. Reunia a isso um grande medo ao pai. Era uma criança fina, pálida, cara doente; raramente estava alegre. Entrava na escola depois do pai e retirava-se antes. O mestre era mais severo com ele do que conosco.
‒ O que é que você quer?
‒ Logo, respondeu ele com voz trêmula.
Começou a lição de escrita. Custa-me dizer que eu era dos mais adiantados da escola; mas era. Não digo também que era dos mais inteligentes, por um escrúpulo fácil de entender e de excelente efeito no estilo, mas não tenho outra convicção. Note-se que não era pálido nem mofino: tinha boas cores e músculos de ferro. Na lição de escrita, por exemplo, acabava sempre antes de todos, mas deixava-me estar a recortar narizes no papel ou na tábua, ocupação sem nobreza nem espiritualidade, mas em todo caso ingênua. Naquele dia foi a mesma coisa; tão depressa acabei, como entrei a reproduzir o nariz do mestre, dando-lhe cinco ou seis atitudes diferentes, das quais recordo a interrogativa, a admirativa, a dubitativa e a cogitativa. Não lhes punha esses nomes, pobre estudante de primeiras letras que era; mas, instintivamente, dava-lhes essas expressões. Os outros foram acabando; não tive remédio senão acabar também, entregar a escrita, e voltar para o meu lugar.
Com franqueza, estava arrependido de ter vindo. Agora que ficava preso, ardia por andar lá fora, e recapitulava o campo e o morro, pensava nos outros meninos vadios, o Chico Telha, o Américo, o Carlos das Escadinhas, a fina flor do bairro e do gênero humano. Para cúmulo de desespero, vi através das vidraças da escola, no claro azul do céu, por cima do morro do Livramento, um papagaio de papel, alto e largo, preso de uma corda imensa, que bojava no ar, uma coisa soberba. E eu na
escola, sentado, pernas unidas, com o livro de leitura e a gramática nos joelhos.
‒ Fui um bobo em vir, disse eu ao Raimundo.
‒ Não diga isso, murmurou ele.
Olhei para ele; estava mais pálido. Então lembrou-me outra vez que queria pedir-me alguma coisa, e perguntei-lhe o que era. Raimundo estremeceu de novo, e, rápido, disse-me que esperasse um pouco; era uma coisa particular.
‒ Seu Pilar... murmurou ele daí a alguns minutos.
‒ Que é?
‒ Você...
‒ Você quê?
Ele deitou os olhos ao pai, e depois a alguns outros meninos. Um destes, o Curvelo, olhava para ele, desconfiado, e o Raimundo, notando-me essa circunstância, pediu alguns minutos mais de espera. Confesso que começava a arder de curiosidade. Olhei para o Curvelo, e vi que parecia atento; podia ser uma simples curiosidade vaga, natural indiscrição; mas podia ser também alguma coisa entre eles. Esse Curvelo era um pouco levado do diabo. Tinha onze anos, era mais velho que nós.
Que me quereria o Raimundo? Continuei inquieto, remexendo-me muito, falando-lhe baixo, com instância, que me dissesse o que era, que ninguém cuidava dele nem de mim. Ou então, de tarde...
‒ De tarde, não, interrompeu-me ele; não pode ser de tarde.
‒ Então agora...
‒ Papai está olhando.
Na verdade, o mestre fitava-nos. Como era mais severo para o filho, buscava-o muitas vezes com os olhos, para trazê-lo mais aperreado. Mas nós também éramos finos; metemos o nariz no livro, e continuamos a ler. Afinal cansou e tomou as folhas do dia, três ou quatro, que ele lia devagar, mastigando as ideias e as paixões. Não esqueçam que estávamos então no fim da Regência, e que era grande a agitação pública. Policarpo tinha decerto algum partido, mas nunca pude averiguar esse ponto. O pior que ele podia ter, para nós, era a palmatória. E essa lá estava, pendurada do portal da janela, à direita, com os seus cinco olhos do diabo. Era só levantar a mão, dependurá-la e brandi-la, com a força do costume, que não era pouca. E daí, pode ser que alguma vez as paixões políticas dominassem nele a ponto de poupar-nos uma ou outra correção. Naquele dia, ao menos, pareceu-me que lia as folhas com muito interesse; levantava os olhos de quando em quando, ou tomava uma pitada, mas tornava logo aos jornais, e lia a valer.
No fim de algum tempo - dez ou doze minutos - Raimundo meteu a mão no bolso das calças e olhou para mim.
‒ Sabe o que tenho aqui?
‒ Não.
‒ Uma pratinha que mamãe me deu.
‒ Hoje?
‒ Não, no outro dia, quando fiz anos...
‒ Pratinha de verdade?
‒ De verdade.
Tirou-a vagarosamente, e mostrou-me de longe. Era uma moeda do tempo do rei, cuido que doze vinténs ou dois tostões, não me lembro; mas era uma moeda, e tal moeda que me fez pular o sangue no coração. Raimundo revolveu em mim o olhar pálido; depois perguntou-me se a queria para mim. Respondi-lhe que estava caçoando, mas ele jurou que não.
‒ Mas então você fica sem ela?
‒ Mamãe depois me arranja outra. Ela tem muitas que vovô lhe deixou, numa caixinha; algumas são de ouro. Você quer esta?
Minha resposta foi estender-lhe a mão disfarçadamente, depois de olhar para a mesa do mestre. Raimundo recuou a mão dele e deu à boca um gesto amarelo, que queria sorrir. Em seguida propôs-me um negócio, uma troca de serviços; ele me daria a moeda, eu lhe explicaria um ponto da lição de sintaxe. Não conseguira reter nada do livro, e estava com medo do pai. E concluía a proposta esfregando a pratinha nos joelhos...
Tive uma sensação esquisita. Não é que eu possuísse da virtude uma ideia antes própria de homem; não é também que não fosse fácil em empregar uma ou outra mentira de criança. Sabíamos ambos enganar ao mestre. A novidade estava nos termos da proposta, na troca de lição e dinheiro, compra franca, positiva, toma lá, dá cá; tal foi a causa da sensação. Fiquei a olhar para ele, à toa, sem poder dizer nada.
Compreende-se que o ponto da lição era difícil, e que o Raimundo, não o tendo aprendido, recorria a um meio que lhe pareceu útil para escapar ao castigo do pai. Se me tem pedido a coisa por favor, alcançá-la-ia do mesmo modo, como de outras vezes, mas parece que era lembrança das outras vezes, o medo de achar a minha vontade frouxa ou cansada, e não aprender como queria, ‒ e pode ser mesmo que em alguma ocasião lhe tivesse ensinado mal, ‒ parece que tal foi a causa da proposta. O pobre-diabo contava com o favor, mas queria assegurar-lhe a eficácia, e daí recorreu à moeda que a mãe lhe dera e que ele guardava como relíquia ou brinquedo; pegou dela e veio esfregá-la nos joelhos, à minha vista, como uma tentação... Realmente, era bonita, fina, branca, muito branca; e para mim, que só trazia cobre no bolso, quando trazia alguma coisa, um cobre feio, grosso, azinhavrado...
Não queria recebê-la, e custava-me recusá-la. Olhei para o mestre, que continuava a ler, com tal interesse, que lhe pingava o rapé do nariz. - Ande, tome, dizia-me baixinho o filho. E a pratinha fuzilava-lhe entre os dedos, como se fora diamante... Em verdade, se o mestre não visse nada, que mal havia? E ele não podia ver nada, estava agarrado aos jornais, lendo com fogo, com indignação...
‒ Tome, tome...
Relancei os olhos pela sala, e dei com os do Curvelo em nós; disse ao Raimundo que esperasse. Pareceu-me que o outro nos observava, então dissimulei; mas daí a pouco deitei-lhe outra vez o olho, e - tanto se ilude a vontade! - não lhe vi mais nada. Então cobrei ânimo.
‒ Dê cá...
Raimundo deu-me a pratinha, sorrateiramente; eu meti-a na algibeira das calças, com um alvoroço que não posso definir. Cá estava ela comigo, pegadinha à perna. Restava prestar o serviço, ensinar a lição e não me demorei em fazê-lo, nem o fiz mal, ao menos conscientemente; passava-lhe a explicação em um retalho de papel que ele recebeu com cautela e cheio de atenção. Sentia-se que despendia um esforço cinco ou seis vezes maior para aprender um nada; mas contanto que ele escapasse ao castigo, tudo iria bem.
De repente, olhei para o Curvelo e estremeci; tinha os olhos em nós, com um riso que me pareceu mau. Disfarcei; mas daí a pouco, voltando-me outra vez para ele, achei-o do mesmo modo, com o mesmo ar, acrescendo que entrava a remexer-se no banco, impaciente. Sorri para ele e ele não sorriu; ao contrário, franziu a testa, o que lhe deu um aspecto ameaçador. O coração bateu-me muito.
‒ Precisamos muito cuidado, disse eu ao Raimundo.
‒ Diga-me isto só, murmurou ele.
Fiz-lhe sinal que se calasse; mas ele instava, e a moeda, cá no bolso, lembrava-me o contrato feito. Ensinei-lhe o que era, disfarçando muito; depois, tornei a olhar para o Curvelo, que me pareceu ainda mais inquieto, e o riso, dantes mau, estava agora pior. Não é preciso dizer que também eu ficara em brasas, ansioso que a aula acabasse; mas nem o relógio andava como das outras vezes, nem o mestre fazia caso da escola; este lia os jornais, artigo por artigo, pontuando-os com exclamações, com gestos de ombros, com uma ou duas pancadinhas na mesa. E lá fora, no céu azul, por cima do morro, o mesmo eterno papagaio, guinando a um lado e outro, como se me chamasse a ir ter com ele. Imaginei-me ali, com os livros e a pedra embaixo da mangueira, e a pratinha no bolso das calças, que eu não daria a ninguém, nem que me serrassem; guardá-la-ia em casa, dizendo a mamãe que a tinha achado na rua. Para que me não fugisse, ia-a apalpando, roçando-lhe os dedos pelo cunho, quase lendo pelo tato a inscrição, com uma grande vontade de espiá-la.
‒ Oh! seu Pilar! bradou o mestre com voz de trovão.
Estremeci como se acordasse de um sonho, e levantei-me às pressas. Dei com o mestre, olhando para mim, cara fechada, jornais dispersos, e ao pé da mesa, em pé, o Curvelo. Pareceu-me adivinhar tudo.
‒ Venha cá! bradou o mestre.
Fui e parei diante dele. Ele enterrou-me pela consciência dentro um par de olhos pontudos; depois chamou o filho. Toda a escola tinha parado; ninguém mais lia, ninguém fazia um só movimento. Eu, conquanto não tirasse os olhos do mestre, sentia no ar a curiosidade e o pavor de todos.
‒ Então o senhor recebe dinheiro para ensinar as lições aos outros? disse-me o Policarpo.
‒ Eu...
‒ Dê cá a moeda que este seu colega lhe deu! clamou.
Não obedeci logo, mas não pude negar nada. Continuei a tremer muito. Policarpo bradou de novo que lhe desse a moeda, e eu não resisti mais, meti a mão no bolso, vagarosamente, saquei-a e entreguei-lha. Ele examinou-a de um e outro lado, bufando de raiva; depois estendeu o braço e atirou-a à rua. E então disse-nos uma porção de coisas duras, que tanto o filho como eu acabávamos de praticar uma ação feia, indigna, baixa, uma vilania, e para emenda e exemplo íamos ser castigados. Aqui pegou da palmatória.
‒ Perdão, seu mestre... solucei eu.
‒ Não há perdão! Dê cá a mão! Dê cá! Vamos! Sem-vergonha! Dê cá a mão!
‒ Mas, seu mestre...
‒ Olhe que é pior!
Estendi-lhe a mão direita, depois a esquerda, e fui recebendo os bolos uns por cima dos outros, até completar doze, que me deixaram as palmas vermelhas e inchadas. Chegou a vez do filho, e foi a mesma coisa; não lhe poupou nada, dois, quatro, oito, doze bolos. Acabou, pregou-nos outro sermão. Chamou-nos sem-vergonhas, desaforados, e jurou que se repetíssemos o negócio apanharíamos tal castigo que nos havia de lembrar para todo o sempre. E exclamava: Porcalhões! tratantes! faltos de brio!
Eu, por mim, tinha a cara no chão. Não ousava fitar ninguém, sentia todos os olhos em nós. Recolhi-me ao banco, soluçando, fustigado pelos impropérios do mestre. Na sala arquejava o terror; posso dizer que naquele dia ninguém faria igual negócio. Creio que o próprio Curvelo enfiara de medo. Não olhei logo para ele, cá dentro de mim jurava quebrar-lhe a cara, na rua, logo que saíssemos, tão certo como três e dois serem cinco. 
Daí a algum tempo olhei para ele; ele também olhava para mim, mas desviou a cara, e penso que empalideceu. Compôs-se e entrou a ler em voz alta; estava com medo. Começou a variar de atitude, agitando-se à toa, coçando os joelhos, o nariz. Pode ser até que se arrependesse de nos ter denunciado; e na verdade, por que denunciar-nos? Em que é que lhe tirávamos alguma coisa?
‒ Tu me pagas! tão duro como osso! dizia eu comigo.
Veio a hora de sair, e saímos; ele foi adiante, apressado, e eu não queria brigar ali mesmo, na Rua do Costa, perto do colégio; havia de ser na Rua larga São Joaquim. Quando, porém, cheguei à esquina, já o não vi; provavelmente escondera-se em algum corredor ou loja; entrei numa botica, espiei em outras casas, perguntei por ele a algumas pessoas, ninguém me deu notícia. De tarde faltou à escola.
Em casa não contei nada, é claro; mas para explicar as mãos inchadas, menti a minha mãe, disse-lhe que não tinha sabido a lição. Dormi nessa noite, mandando ao diabo os dois meninos, tanto o da denúncia como o da moeda. E sonhei com a moeda; sonhei que, ao tornar à escola, no dia seguinte, dera com ela na rua, e a apanhara, sem medo nem escrúpulos...
De manhã, acordei cedo. A ideia de ir procurar a moeda fez-me vestir depressa. O dia estava esplêndido, um dia de maio, sol magnífico, ar brando, sem contar as calças novas que minha mãe me deu, por sinal que eram amarelas. Tudo isso, e a pratinha... Saí de casa, como se fosse trepar ao trono de Jerusalém. Piquei o passo para que ninguém chegasse antes de mim à escola; ainda assim não andei tão depressa que amarrotasse as calças. Não, que elas eram bonitas! Mirava-as, fugia aos encontros, ao lixo da rua...
Na rua encontrei uma companhia do batalhão de fuzileiros, tambor à frente, rufando. Não podia ouvir isto quieto. Os soldados vinham batendo o pé rápido, igual, direita, esquerda, ao som do rufo; vinham, passaram por mim, e foram andando. Eu senti uma comichão nos pés, e tive ímpeto de ir atrás deles. Já lhes disse: o dia estava lindo, e depois o tambor... Olhei para um e outro lado; afinal, não sei como foi, entrei a marchar também ao som do rufo, creio que cantarolando alguma coisa: Rato na casaca... Não fui à escola, acompanhei os fuzileiros, depois enfiei pela Saúde, e acabei a manhã na Praia da Gamboa. Voltei para casa com as calças enxovalhadas, sem pratinha no bolso nem ressentimento na alma. E contudo a pratinha era bonita e foram eles, Raimundo e Curvelo, que me deram o primeiro conhecimento, um da corrupção, outro da delação; mas o diabo do tambor...

REFERÊNCIAS


BUZAN, Tony. Mapas Mentais e sua Elaboração. São Paulo: Cultrix, 2005.

LODGE, David. A Arte da Ficção. Trad. Bras. Porto Alegre: L& PM Pocket, 2011.

MEROLA, Edna Domenica. Pedagogia do Psicodrama: a ação do grupo no desenvolvimento de papéis da pessoa idosa. Monografia de conclusão do Curso de Especialização em Atenção à Saúde da Pessoa Idosa. Orientadora: Maria Celina da Silva Crema. UFSC, CCS, N.E.T.I., 2015, 46 f.
____________ De que são feitas as Histórias. Florianópolis: Postmix, 2014.

MORENO, J. L. Psicodrama. 2 ed, São Paulo: Cultrix. 1978.

___________ Psicoterapia de Grupo e Psicodrama. Trad. bras. São Paulo: Mestre Jou, 1974.