Crédito da foto: Adroaldo Fontes |
Correspondência
enviada por Japi – um cão rafeiro – a Ará – uma periquita.
Santiago
do Cacém, 24 de novembro de 1607
Querida
Jandaia,
Atônita?
Não
é para menos. Nem eu, tampouco tu detemos a qualidade de poder ler o que
escrevem os humanos. Mas encontrei uma solução para poder matar minha saudade
aí de Pindorama.
Sabes
quem encontrei na viagem daí para cá? Um contraparente daquele escrevente que
colaborou com um tal de Cabral, que por aí esteve faz tempo. O nome do meu
amanuense é Manuel Pedro Caminha, a quem eu “au-ditei” minhas observações,
possibilitando que ele cambiasse para a língua vernácula.
Na
esteira desta minha solução, espero que tenhas te valido de um desses
catequistas que habitam essas mairis para tomares conhecimento do teor desta
cartinha.
Lançada
esta explicação prefacial, passo a exercitar meus pendores narratórios com a
inestimável colaboração do meu patrício.
Por
que eu o assim denomino? Ora, porque sou também de origem portuguesa, ainda que
me considerassem um simples rafeiro. Descobri que sou descendente de uma raça antiga da Europa, os molossos – cães de físico forte. Aqui somos denominados de
Mastim do Alentejo, embora originariamente sejamos também conhecidos por Rafeiro
do Alentejo.
Assim,
como aqui passei a morar e daqui são meus ancestrais, posso me qualificar como
um reinol.
Vamos,
pois, em frente.
Sabes
qual a minha primeira descoberta? Quando saímos do lenho e embarcamos pelo
estibordo de uma carraca? O nosso estimado Coatiabo tem um nome português.
Chama-se Martim Soares Moreno, tendo nascido aqui em Santiago do Cacém, na
região de Setúbal, no Alentejo. Soube também que é um militar, daí o porquê de
sua índole intimorata.
Abandonando
um pouco as preliminares, passo-te a relatar nossa viagem por mares por mim "nunca dantes navegados".
No
dilúculo de uma bela terça-feira, embarcados na nossa jangada, saímos pelo rio
Trairi em direção ao mar, onde perto da costa nos aguardava uma carraca,
espécie de nau utilizada para o transporte de mercadorias, predominando o
carregamento da ibirapitanga, madeira muito apreciada, informaram-me os nautas,
haja vista que serve para a construção de casas, embarcações, instrumentos
musicais, móveis e outros utensílios. Além disso fornece uma tinta natural
avermelhada que serve para o tingimento de tecidos que, na cor vermelha, são
muito valorizados por aqui.
Devo
te confessar uma coisa. Como eu nunca tinha viajado em uma embarcação de grande
porte no mar, e a que eu estava carregava umas 2.000 toneladas, passei a ficar
mareado e não lançava a “carga ao mar”. Somente quando me deram um emético
feito de ervas é que pude ejetar a “mercadoria”. Aduzo que a mesma indisposição
atacou o menino Moacir, mas foi socorrido pelo mesmo procedimento.
Começamos
a vogar com uma bonança, por força de uma aura que nos acompanhou por dias.
Como
a embarcação era comercial e fazia ordinariamente a rota Pindorama/Velho Mundo,
passamos primeiramente no Atol das Rocas e depois no Penedo de São Pedro e São
Paulo, a uma velocidade média de 12 nós, o que dá em torno de 22km/h,
considerando-se que um nó equivale a 1 milha náutica ou 1.852m.
A
marinhagem demonstrava grande habilidade em conduzir a nau, inclusive
aproveitando as facilidades advindas do barlavento e do sotavento.
A
coisa começou a ficar assustadora entre o trecho de Cabo Verde até as Ilhas
Canárias, eis que devido ao forte vento a embarcação teve de navegar à bolina,
ziguezagueando muito. Mais um emético a salvar este viandante.
Também
enfrentamos problemas com borrascas e procelas até a Ilha da Madeira, onde foi
efetuada uma atracação para o descarregamento de parte da carga.
O
penúltimo destino foi São Miguel, nos Açores, onde igualmente era aguardada
mais uma parte da preciosa carga.
Para
nossa alegria a tempestade que insistia em nos acompanhar foi de chofre
substituída por uma calmaria que durou dois dias, retardando o aferramento na
ínsula.
Partimos
de São Miguel em direção a Sines, onde aprendi que é a maior e a primeira área
portuária de Portugal, bem como terra natal de um navegante conhecido por Vasco
da Gama.
Com
o restante da ibirapitanga descarregada, alguém gritou “bem-vindo pau-brasil” e
assim incorporei mais uma informação ao meu modesto saber das coisas.
Por
enquanto é o que tenho a te relatar, pedindo encarecidamente que renoves meus
agradecimentos a Poti por ter em um ato do mais puro desapego me doado a
Coatiabo, o que me propiciou conhecer minhas origens, novas pessoas e elastecer
meus então incipientes conhecimentos do mundo.
Vale-o
tu da colaboração do jesuíta que te serve de ledor para responder minha carta,
podendo te expressar em tupi, língua que ele certamente já domina, pois que
aqui o Caminha fará a versão para a língua “canis
familiaris”.
Ah.
O Moacir chegou bem alegre e já entendendo algumas palavras que lhe são
dirigidas. O mesmo não posso dizer de seu genitor, sempre macambúzio, mesmo
prestes a se encontrar novamente com familiares aqui residentes.
Que
falta lhe faz a Virgem dos Lábios de Mel.Teu amigo, Japi.
GLOSSÁRIO
Reinol: natural do reino; reinícola (que habita ou é
natural do reino, especialmente de Portugal).
Mairis: vem de mair
– estrangeiro – nome dado aos povoados dos brancos em oposição às tabas dos
índios.
Lenho: cerne, madeira - usado figurativamente como
embarcação; Santo Lenho – a cruz de Cristo.
Estibordo: o lado direito da embarcação,
considerando-se a proa como a sua frente.
Carraça: antigo navio mercante português de grande
porte e de grande curso, similar às caravelas.
Coatiabo: pintado - vem de coatiá que significa pintar.
Intimorato: sem temor, destemido.
Dilúculo: crepúsculo matutino; alvorada.
Nautas: aquele que
navega; navegante, marinheiro.
Ficar mareado: enjoado em viagem por mar.
Emético: que provoca vômito; vomitório.
Ejetar: expulsar, expelir.
Aduzo: de aduzir – acrescentar.
Vogar: navegar com suavidade.
Com uma bonança: com bom tempo no mar; tempo favorável
à navegação.
Aura: vento ameno, brisa.
Barlavento: direção de onde sopra o vento; bordo (cada
uma das duas partes simétricas em que o casco da embarcação é dividido pelo seu
plano longitudinal) da embarcação voltado para a direção de onde o vento sopra.
Sotavento: o lado para onde vai o vento; bordo
contrário àquele de onde sopra o vento.
Navegar a bolina: velejar de contra-vento é marear (ou
seja, navegar) com vento afastado da proa. É uma técnica empregada por
embarcações que consiste em ziguezaguear contra o vento, o que permite navegar
por zonas onde o vento não é favorável.
Viandante: viajante, caminheiro.
Borrasca: vento forte e súbito acompanhado de chuva –
tempestade no mar.
Procela: tempestade marítima.
Atracação: encostar a embarcação no cais.
Aferramento: o mesmo que atracar; lançar cabos e
amarras.
Ínsula: ilha, por via erudita.
Elastecer: dilatar, alargar.
Incipiente: que está no começo; principiante.A virgem dos lábios de mel: Iracema, personagem título do romance de José de Alencar. Mãe de Moacir que ficou com o pai (Martim), após a morte dela.
Florianópolis, 16 de novembro de 2015.
O quase impossível romance entre o Sol e a Lua
Créditos da foto: Mariana Rotilli. 2015. |
A partir da alva passou Ele a criar, fazendo surgir o espaço sideral, incluindo-se ali a luz do dia e a escuridão da noite.
Desde então passou-se a contar igualmente com o dilúculo, conhecido também por crepúsculo matutino ou singelamente como alvorada.
No encalço deles surge o arrebol, aquela vermelhidão do nascer ou do pôr do sol.
Estabelecidos os limites da luminosidade no mundo, no segundo dia adveio o céu com o precípuo papel de estabelecer uma barreira entre a água sobre a superfície e a umidade do ar.
Eis que no terceiro dia são geradas a terra seca – continentes e ilhas acima das águas – e as massas de água – mares, rios e quejandos.
Chega então o tão esperado quarto dia, o do surgimento das estrelas e corpos celestes, com especial destaque para a tríade Sol, Lua e Terra.
Eis que no terceiro dia são geradas a terra seca – continentes e ilhas acima das águas – e as massas de água – mares, rios e quejandos.
Chega então o tão esperado quarto dia, o do surgimento das estrelas e corpos celestes, com especial destaque para a tríade Sol, Lua e Terra.
Posto que os demais dias da criação do mundo sejam merecedores de comentários, ainda mais que este escriba se viu contemplado no sexto dia, o até aqui comentado já basta para sustentar a história da quase impossibilidade do romance entre o Sol e a Lua.
O Sol todo donairoso, com luz própria, encarnava a glória, a virtude e a realização pessoal. Sempre feliz, era cobiçado pelas estrelas, que o consideravam detentor de uma infindável força geradora de luminosidade.
Não há uma explicação razoável para a não escolha por parte dele de uma estrela como namorada. Talvez visse nelas suas mesmas qualidades, mesmo que fossem de diferentes grandezas.
Mesmo distante cerca de 150.000.000km do Sol, a Lua passou a despertar o interesse do Astro-Rei por dar mostras de um magnetismo que não era externado por suas então pretendentes.
Ademais, a Lua carecia da força solar para fomentar seu brilho, um motivo a mais para ele sentir-se atraído por quem mais precisava de seu amor.
Sentindo-se correspondido, propôs que a Lua se achegasse para mais perto a fim de desfrutarem do idílio, o que implicaria em um desarranjo na disposição estabelecida pelo Criador.
A fim de poder desfrutar da proximidade de seu amor, aquiescia a Lua em encurtar a distância que os separava, mesmo em prejuízo aos iluminados por ela no seu originário mister.
Então, quem seria a principal prejudicada pela decisão selênica?
À toda evidência a Terra, que veria o breu impossibilitar sua iluminação noturna, malferindo as inspirações de poetas e trovadores.
Fazendo ouvidos de mercador a Lua não desistia de seu intento, obrigando a necessitada Terra a propor uma Ação Celestial com o escopo de ver garantido o seu direito à assistência tão reclamada.
Intimadas as partes pelo Criador, tendo o Sol sido cientificado que poderia integrar a lide como “Amicus Curiae” (Amigo da Corte), pelo Mediador foi exposto que nada poderia ser modificado sobre pena de o caos ser implantado, mas que um paliativo caberia, sendo este proposto aos presentes.
Mesmo sendo prejudicada a espaços de tempo, a Terra inclinou-se em anuir ao sugerido pelo Criador, no que momentos após viu-se acompanhada pelo relutante par.
Assim, sem que ninguém ficasse prejudicado, triunfou a proposta da criação de eclipses, surgindo daí a possibilidade de, por breves momentos, O Sol e a Lua trocarem juras de amor e quiçá um fugaz roçar de superfícies possibilitando a geração de pequenos corpos celestes a gravitarem em torno do Sol.
Caso encerrado, ao arquivo.
Glossário:
1). a·nu·ir |u-í| - Conjugar
(latim annuo, -ere, fazer sinal com a cabeça, aprovar)
verbo intransitivo
Estar de acordo, dar anuência a. = APROVAR, ASSENTIR, CONCORDAR, CONSENTIR ≠ NEGAR, RECUSAR.
"anuir", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/anuir [consultado em 17-11-2015].
2). a·qui·es·cer |ê| - Conjugar
verbo intransitivo
1. Consentir por condescendência.
2. Aderir.
"aquiescer", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/aquiescer [consultado em 17-11-2015].
aquiescer (Dicio)
v.t.i e v.i. Ter um comportamento transigente ou ponderar com transigência; consentir, ceder, pôr-se de acordo, anuir: com um simples sinal, aquiesceu. (Etm. do latim: acquiescere)
3). ca·re·cen·te
adjetivo de dois gêneros
Que carece; necessitado.
"carecente", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/carecente [consultado em 17-11-2015].
4). pre·cí·pu·o (latim praecipuus, -a, -um)
adjetivo
1. Principal.
2. [Jurídico, Jurisprudência] Diz-se dos bens que o herdeiro não é obrigado a trazer à colação.
substantivo masculino
3. [Jurídico, Jurisprudência] Vantagem que o testador ou a lei dá a um dos herdeiros.
"precípuo", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/prec%C3%ADpuo [consultado em 17-11-2015].
5).que·jan·do
(latim *quid genitus, da mesma geração, do mesmo .gênero)
adjetivo e substantivo masculino
Que ou quem tem a mesma natureza ou qualidade de outro ou de outros; que tal.
"quejandos", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/quejandos [consultado em 17-11-2015].
5).que·jan·do
(latim *quid genitus, da mesma geração, do mesmo .gênero)
adjetivo e substantivo masculino
Que ou quem tem a mesma natureza ou qualidade de outro ou de outros; que tal.
"quejandos", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/quejandos [consultado em 17-11-2015].
Domingo, 4 de outubro de 2015.
Carta a uma Escrava da Modernidade. Adroaldo Fontes
Florianópolis, 04 de outubro de 2015.
Prezada Ancilla,
Como sei teu nome? Não sei se exatamente seja este,
mas como me pareceu que estavas completamente absorta em escutar o que
transmitia teu telefone móvel, resolvi te nominar assim, pois escrava da
modernidade.
Desde quando embarcamos no UFSC - Semidireto, o
máximo que recebi de minha companheira de viagem, coincidentemente a quem me
dirijo, foi um meneio de cabeça aquiescendo em que sentasse ao teu lado.
Ao longo de todo o trecho percorrido pelo BRT (Bus
Rapid Transit), considerando-se inclusive as paradas nas praças públicas, não
fui sequer contemplada com teu olhar, mesmo que de soslaio, denotando uma falta
de atenção às minhas colocações.
Em tempos idos, que também denominamos outrora,
quando ainda não se tinha o tal celular, a atenção que um passageiro dedicava
ao seu companheiro de banco era bem melhor. Comentava-se, por exemplo, sobre a
singeleza de propagandas afixadas nas laterais dos forros dos tetos dos
coletivos, geralmente assim:
“Veja, ilustre passageiro,
o belo tipo faceiro
que o senhor tem ao seu lado.
E no entanto, acredite,
quase morreu de bronquite.
Salvou-o o RHUM CREOSOTADO.”
Também se lia, para gáudio dos transportados:
“Esse nervoso irritante.
Que não o larga um instante.
Bem pode ser de sua vista.
Por que a um oculista não corre.
Da casa A ESPECIALISTA?”
Muito embora relevando o teu comportamento, o que
mais me entristeceu foi ter sido qualificada por ti de impertinente, já que
seguidamente eu era reprimida nas minhas colocações por teus olhares
reprovadores.
Mas não importa, você, eu e tantos quantos usamos
tecnologia precisamos pensar sobre o assunto concernente ao isolamento a que
estamos sujeitos.
Segundo Martha Medeiros, no seu artigo “A Cultura da
Humilhação”, in Caderno DONNA, DC, deste domingo: “A internet possibilita
inúmeros encontros, amplia ações sociais, estimula a criatividade, agiliza
negócios e já não se pode viver sem ela, mas tem um lado obscuro como todos
sabem”.
A leitura me fez menos rancorosa para contigo, ainda
mais quando ao ingressar no Shopping Iguatemi, na Cafeteria Barão do Grão,
constatei que entre os dez “apolíneos” macróbios que ali degustavam seu
cotidiano líquido rubiáceo, oito lidavam com seus celulares, desencadeando um
rompimento hoje quase aceito do saudável hábito da convergência a um só assunto.
Por derradeiro, esclareço que consegui tua
localização por intermédio de uma colega tua, coincidentemente minha vizinha,
que me fará a gentileza de chegar a tuas mãos este singelo desabafo, servindo
ela, se quiseres, como mensageira de uma aguardada missiva de tua lavra.
Cora Fontes,
rediviva.
Terça-feira, 13 de outubro de 2015.
Carta a Rosa. Adroaldo Fontes.
Barbacena, 13 de outubro de 2015.
Cara Rosa,
Ao cruzar o pórtico da entrada da cidade que ora
visito e visualizar o dístico: “Cidade das Rosas”, imediatamente me veio à
lembrança a imagem dessa querida e inolvidável amiga.
Não cri quando me relataram que meu dileto amigo
Azul te abandonou enfeitiçado por outras cores – o amarelo, sob color de buscar
melhorias na vida de vocês.
O amarelo, simbolizando a ganância-ouro, talvez seja
o que o tenha levado a acompanhar a caravana amarela.
O entorpecimento em contrariar o chamamento do
“topázio imperial” foi o que, conjeturo, tenha contribuído para que ele se
afastasse do feliz convívio que levava contigo.
Como sempre te considerei muito intransigente nas
tuas posições, confirmaste minhas suposições e não foste atrás do teu amado,
ainda que machucada.
Estimada, como já decorridos vários dias entre a
escapulida do teu amado e minha ciência do ocorrido, cogito tenhas boas novas
para mim.
“Olho a rosa na janela,
Sonho um sonho pequenino...
Se eu pudesse ser menino
Eu roubava essa rosa
E ofertava todo prosa
À primeira namorada. ”(Taiguara, Modinha.)
Até breve,
Adroaldo Fontes.
Segunda-feira,
28 de setembro de 2015
Adroaldo
Fontes envia carta para a autora do texto
História de Sala de Espera.
Florianópolis,
27 de setembro de 2015.
Prezada
Escritora Edna Domenica Merola,
Posto que
este tempinho nos convide a ficar remoendo lembranças no leito, vou procurar
acomodar-me na mesa de trabalho – que coincidentemente serve de mesa para a
sala – para tentar atender ao que me foi solicitado no encontro transato.
Levando em
conta que já fulminei alguns neurônios ao expender comentários argumentativos
sobre o Conto Pas de Deux, “sumariado” na nona posição da sua obra “A Volta do
Contador de Histórias”, o que o enquadra como sagitariano, opto por escudar-me
sob o signo de Libra, o sétimo na classificação a que tive acesso, tornando-me,
en passant, um libriano inquisidor.
Destarte,
passo a questionar-vos sobre a “História da Sala de Espera”.
A tal sala
de espera é o local onde todos se despem das suas posições sociais na procura
da redenção de seus males?
As donas de
casa presentes no consultório eram todas sexagenárias ou havia exceções, nelas
se enquadrando a beletrista?
As tarefas
domésticas do dia a dia auxiliam no enfrentamento da monotonia de uma vida às
vezes insípida?
São estas
as perguntas que faço, sem deixar de registrar minha curiosidade a respeito do
que estaria fazendo um hidrocéfalo no consultório de um ortopedista. Seria ele
portador de uma pletora de males?
Com
toda a atenção,
Adroaldo Fontes
RESPOSTA DE EDNA DOMENICA MEROLA
Florianópolis, 28 de setembro de 2015.
Prezado Leitor,
No
texto, a sala de espera é o local onde as personagens "se despem das suas
posições sociais na procura da redenção de seus males", voltam-se para si
mesmas e sua própria dor, demostram sua comiseração em forma de cumplicidade.
As
personagens donas de casa presentes no consultório eram sexagenárias. A
personagem narradora não era exceção. A escritora, no entanto, ainda não era
sexagenária.
No
texto, as tarefas domésticas do dia a dia comparecem como "faca de dois gumes". Por um lado,
"auxiliam no enfrentamento da monotonia de uma vida às vezes
insípida" e, por outro, causam dores e a consequente quebra da rotina pela
ida ao médico.
Na
verdade, o texto sugere que quem estava em consulta ao ortopedista era a mãe do infante portador de hidrocefalia que sofria as consequências de carregá-lo de um lado a outro por não
ter com quem deixá-lo, nem para a ida ao médico.
Com igual atenção,
Edna Domenica Merola.
ADENDO Texto História de Sala de Espera
Dr. Roland, ortopedista, me deu um analgésico
poderosíssimo. No entanto, o mais terapêutico de tudo foi a sala de espera.
Fiz contato com outras donas de casa sexagenárias. E
fiquei sabendo que todas fazem pequenas delinquências em relação à própria
saúde.
Uma tem mania de arear panelas. Outra conta como
ergueu uma colcha muito pesada. A terceira é pálida e tem cara de dor, mas
sorri para mim no momento em que conversamos.
A das panelas brilhantes pergunta-me se também gosto
de fazer brilhar. Tento explicar-lhe minha modalidade: mudo móveis de lugar em
casa na ausência dos familiares.
Ela se espanta brevemente, mas sorri solidária.
Trocamos confidências como duas crianças que contam travessuras tal como saltar
do muro alto pela primeira vez.
Vejo um garoto de mais ou menos seis anos com
hidrocefalia, a cabeça enorme, ser carregado pela mãe em direção à saída. Ela
não se arrisca a pedir ajuda. Então abro a porta para ela e não sei dizer se
usei a mão dolorida (que funcionava como estepe até então) ou a outra.
A dor parece, naquele instante, não mais existir no
planeta: porque as mães suportam sempre carregar seus filhos quer por suas
necessidades ou seus sonhos. A fragilidade é relativa no feminino! As mães se
sabem polvos. Umas pensam que seus filhos adultos ao verem as panelas brilhando
saberão que suas mães estão bem e não estarão preocupados. Outras têm uma
solidão inconfessada e apegam-se às ‘panelas’. Outras inconscientemente gostam
de ir ao ortopedista, pois lá encontram sua ‘turma’.
O ortopedista é calado: não julga, nem critica; ele
medica e redime o sintoma. Mas sua obra maior é acreditar na dor da paciente.
Naquela receita há uma confirmação: você sente dor, logo existe... Nesse
planeta.
São Paulo, junho de 2007.
REFERÊNCIA
Segunda-feira,
21 de setembro de 2015
CARTA
DO SENHOR ADROALDO FONTES PARA O MENINO ADROALDO.
Florianópolis, 21 de setembro de 2015.
Caro Dorô,
Primeiramente, peço licença para tratá-lo pelo apelido familiar Dorô, o
que me faz lembrar a dificuldade de nosso avô materno João Clodomiro Fontes em
pronunciar nosso nome Adroaldo.
Por incrível que possa parecer, apenas nesta semana pude ter acesso à
tua singela missiva, o que muito me agradou, haja vista que há um desábito nos
dias de hoje na utilização deste meio de troca de informações.
Conhecendo-te como te conheço não foi difícil entender como uma
correspondência levou tanto tempo para chegar às minhas mãos.
Desde quando iniciastes a deambular te notabilizastes em não dar atenção
a pequenos detalhes, levando de roldão o que se antepusesse ao teu caminhar. O
mesmo pode ser elastecido a não teres paciência de pelo menos perlustrar livros
infantis.
Como bem notastes na tua carta, até determinada idade não cultivavas o
hábito de estudar, o que se traduziu na tua fragorosa reprovação em sete
disciplinas no limiar dos estudos ginasiais.
Assim, dando prosseguimento às tuas superficiais leituras não te
detivestes ao detalhe relativo à cidade para a qual enviastes tua cartinha.
Colocastes como destinatário o seguinte: “Senhor Adroaldo Fontes, Rua Augusto
Lídio Pires, 14, bairro Trindade, Floriano Peixoto”, sem inserires o estado.
Esclareço-te que como então não se utilizava o tal do CEP (Código de
Endereçamento Postal), apenas criado em 1971, não havia qualquer possibilidade
de o agente postal corrigir o teu descuido.
Felizmente a carta chegou às minhas mãos, ainda que com acentuado
atraso, pelas mãos da minha dileta escritora Antonieta Mercês, colega do NETI
(Núcleo de Estudos da Terceira Idade) da UFSC. Ela acabou de chegar de um
encontro de escritores de literatura infantil que foi realizado em Rio Branco,
no estado do Acre, distante daqui por 3.950km. Lá teve contato com um sobrinho
que labora nos Correios na agência de Floriano Peixoto, distante 120 km da capital
acreana.
Seu sobrinho deu-lhe ciência de que ao verificar correspondências não
procuradas no Posta-Restante, constatou que um amarfanhado envelope jazia no
local desde o longínquo 1960. Prosseguindo, relatou que desconhecia a rua constante
como endereço do destinatário e que ao pesquisar o nome de ruas em um endereço
eletrônico verificou a mesma estava localizada em Florianópolis. Tão logo
mostrou a carta a sua tia esta rasgou um inefável sorriso e lhe disse que
conhecia o tal Senhor Adroaldo. De pronto a carta lhe foi entregue e assim a
tenho sob meus úmidos olhos.
Querido, não fosse a emoção que toma conta de mim, daria continuidade à
“lavratura” desta resposta, o que prometo e espero levar a efeito em
porvindoura oportunidade, quando abordarei os itens elencados na tua
desbravadora cartinha.
Amplexos fraternos,
Adroaldo, “El Viejo”.
Carta
do Menino Adroaldo ao Senhor Adroaldo
Encantado,
21 de fevereiro de 1960.
Seu Adroaldo,
Espero que esta cartinha encontre o senhor com boa
saúde. Minha avó Cacilda, mãe de meu pai Clodoaldo, sempre diz que a pessoa que
tem mais de sessenta anos enxerga mal, precisando apertar os olhos para
enxergar longe e esticar o braço e afastar o jornal para ler melhor. A vó
também diz que as pessoas na sua idade começam a sofrer do coração, precisando
tomar remédios. Uma vez ela me contou que um vizinho da idade do senhor morreu
de uma doença chamada de braba por não querer ir no médico dos velhos, aquele
que cuida de uma parte do corpo que traz problemas. O nome me esqueci, mas
parece que é naquela parte onde se forma o xixi.
Hoje é segunda-feira. Estou escrevendo já de noite.
Quem me pediu para escrever uma carta foi a Irmã Domenica, minha professora de Português.
Ela disse que é escrevendo que a gente se acostuma a se comunicar com as
pessoas.
O Ginásio em que estudo se chama Madre Margarida.
Ali dão aulas as freiras e outras mais jovens chamadas de juvenistas. Estou
repetindo a primeira série ginasial. Em Porto Alegre, no Ginásio São Pedro, dos
Irmãos Maristas, só consegui passar em Educação Física e Religião. Como não
gosto de estudar rodei em sete matérias. Mas acho que aqui no interior vou me
dar bem nos estudos, pois não tem muita coisa para fazer.
Chegamos na cidade faz um mês e estamos morando
perto de um matadouro de bois e porcos da Cooperativa de Suinocultores de
Encantado, chamada COOSUEL. De madrugada os bichos fazem muito barulho, porque
acho que sentem que vão ser abatidos.
Seu Adroaldo, o senhor não espalhe, mas estou de
olho em uma gringuinha chamada Maria Helena Ceregatti, mas ela não me dá bola.
Ela dá mais atenção ao Arlindo Pretto, filho do dono da agência de carros
Chevrolet. Quem me lança olhares é a Maristela Ferri. É bonitinha, mas estou de
vista na outra.
O pai já está aqui faz trinta dias. Estava morando
no hotel do seu Domingos Cadore.
Meus irmãos estão gostando de Encantado. Eu como sou
o mais velho e hoje faço 12 anos, preciso botar olho neles. A Maria Cecília
está com 10 anos e faz 11 em abril. O Celso completa 10 em julho. Os gêmeos
José Luiz e José Augusto fazem cinco anos em junho. Acho que vem gente nova por
aí. A mãe anda meio enjoada e uma barriguinha já está aparecendo.
Bem, vou parar por aqui, pois o sono está batendo e já
tive de riscar várias vezes as palavras que escrevi erradas.
Não se esqueça de me escrever para que eu possa
treinar a escrever melhor.
Do seu jovem amigo,
Segunda-feira, 19 de outubro de 2015.
Carta a Eumenes Glaucippus Oppianus. Adroaldo Fontes.
Florianópolis,
19 de outubro de 2015.
Prezado Eumenes,
Sem querer ter em pouca consideração as anteriores tarefas
redacionais que me foram sugeridas, penso que a missiva de hoje se reveste de
um significado especial.
Perfeitamente aceitável se preponderasse como destinatário da
carta alguém de mim muito próximo, tal como meu luminar genitor, a quem rendo
os mais comoventes encômios por tudo aquilo que direta ou indiretamente me
proporcionou.
Todavia, estaria eu ferindo suscetibilidades, eis que alguém
reclamaria por ter sido olvidado desmotivadamente, já que a todos dedico
afeição extremosa.
Destarte, após me surpreender meditabundo desde a transata
quinta-feira, optei por te eleger a pessoa que hoje reputo a mais importante
para a minha vivência entre fraternos parentes, estimados amigos e assimiláveis
críticos.
O que me fez te eleger como o meu farnel, aquele continente que
leva todas as provisões para o enfrentamento das surpresas que a vida nos
oferece, foi a sugestão que me destes para que eu não continuasse levando a
vida ou deixando que a vida me levasse, mas buscasse o retorno aos estudos
formais e tivesse profícuo contato com novos colegas.
Foi o que levei com conta e assim o fiz.
Hoje, participante de um seleto grupo de beletristas, sendo
provocado semanalmente a sacudir a poeira que encobria a criatividade, alinhar
as repas e aparar as vibrissas para me apresentar em público, passei a
responder afirmativamente à nova vida discente, aguardando “beneditinamente” o
surgimento das cãs a abrilhantarem os decênios já transcorridos.
Muito obrigado,
GLOSSÁRIO
Eumenes (Êumenes): nome de vários reis de Pérgamo(antiga cidade
grega que se situava na Mísia, Turquia.
Glaucippus(Glaucipo), nome de homem.
Oppianus(Opiano), nome de homem.
Encômio substantivo masculino, 1. Elogio rasgado. 2. Gabo, aplauso, louvor.
Repas (origem obscura) substantivo feminino [Informal] Feixe de cabelo
(ex.: penteou as repas cinzentas da calva). (Mais usado no
plural.) = FARRIPA
Vibrissa (latim vibrissae, -arum) substantivo feminino
1. Cada um dos pelos que se desenvolvem nas fossas nasais.
2. Cada um dos pelos rijos e táteis de certos mamíferos.
Palavras relacionadas: bigode.
REFERÊNCIAS
Dicionário Latino/Português, de Francisco Torrinha, Gráficos
Reunidos, LDA. 2ª edição, outubro de 1942, Porto.
Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013,
http://www.priberam.pt/dlpo/prof%C3%ADcuo [consultado em 19-10-2015].
Comentário de Edna Domenica Merola: Aquece a Escrita, Netiativo, Rede Pró Educação e Cultura de Idosos. 20 de outubro de 2015 18:45
Belo e
enigmático, o texto de Adroaldo Fontes é feito com a argamassa do bom humor e
decorado com lições de expansão do repertório vocabular do leitor. Trata-se de
uma carta dirigida a um destinatário que seria a pessoa mais importante da vida
do emissor, mas que afinal se revela ser ele mesmo... Sábia escolha de EGO
priorizar Eumenes Glaucippus Oppianus (cidadão cujas iniciais são EGO). Nada
como ser idêntico a si mesmo (diria alguma filósofa de plantão se ela fosse
idêntica a esta comentarista).
Segunda-feira, 28 de
setembro de 2015.
Comentário sobre
"Conto em Pas de Deux" (MEROLA, 2011). Adroaldo Fontes.
No balé, um pas de
deux, conhecido como passo de dois, é uma dança na qual um casal de bailarinos
executa passos de balé juntos, sendo uma característica do balé clássico.
A dança é estruturada
em cinco partes: uma entrada, um adágio, duas variações executadas
independentemente por cada um dos bailarinos e uma conclusão.
É eficazmente um
conjunto de passos que compartilham um tema comum, muitas vezes simbólicos de
uma história de amor ou a parceria inerente no amor, com os dançarinos
retratando expressões de sentimentos afetuosos e pensamentos entre parceiros
românticos.
O texto que me é dado a
comentar leva o nome da dança aludida.
Qual o motivo que levou
a autora (Merola, 2011) a nominá-lo assim?
Primeiramente,
constata-se que no prólogo há menção explícita ao gosto pelo estudo das artes,
que por força da limitação parental imposta limitou-se à escrita criativa,
obrigando-a a externar suas qualidades artísticas às letras e ao ensino, mas
sem afastá-la do chamamento à representação.
Valendo-se do adágio,
ela deixa lentamente claro que seu outro lado artístico era atendido por meio
de sonhos, nos quais dançava e representava.
Dançava como Isadora
Ducan (nascida Ângela Isadora Duncan- nascida em São Francisco, USA, em 27 de
maio de 1877 e falecida em 14 de setembro de 1927, considerada a mãe da dança
moderna).
Representava como
Fernanda Montenegro (nome artístico de Arlete Pinheiro Esteves Torres, nascida
do Rio de Janeiro, em 16 de outubro de 1929, tida como uma das maiores damas
dos palcos e da dramaturgia brasileira de todos os tempos).
Não se olvidou de
lembrar Marta Saré (Criação de Gianfrancesco Guarnieri), a prostituta
nordestina vivida por Fernanda, que passeava por suas memórias sem se preocupar
com a ordem cronológica dos acontecimentos.
Em suas variações,
seguindo o roteiro da dança, cotejou o encontro das águas doce e salgada, como
a ponderar qual a atividade que mais lhe atrairia: limitar-se aos pendores da
escrita ou continuar a dar vazão aos seus anseios soniais.
Ancorada em Fernando
Pessoa (poeta português, nascido em Lisboa em 13 de junho de 1888 e falecido em
30 de novembro de 1935 em seu Mar Português) e em Mahatma Gandhi (Mohandas
Karamchand Gandhi, idealizador e fundador do moderno Estado Indiano e maior
defensor do princípio da não agressão, nascido em Porbandar, em 02 de outubro
de 1869 e falecido em 30 de janeiro de 1948 em Nova Déli), concluiu poder fazer
coexistirem suas duas vocações, estribada na leveza de um pas de deux.
Anexo: texto Conto em
Pas de Deux (MEROLA, 2011)
O estudo das Artes me
atrai desde tenra idade. Ao longo da vida muitas oportunidades me foram dadas
para que desenvolvesse habilidades relativas à escrita criativa.
Mas as artes que
demandam mais de perto a exibição do corpo foram apartadas de mim por meus
pais, durante a infância e adolescência.
Como resultado da
atitude parental, optei pela indicação de desenvolver as habilidades da escrita
e do ensino, trilhando a profissão de educadora. Em vigília, escrevo e ensino.
Já em sonhos danço e
represento.
Tenho um cotidiano
ímpar: sou a um tempo Isadora Duncan e Fernanda Montenegro. Interpreto desde um
vaso grego ou o vento, até Marta Saré.
Danço com a leveza e o
equilíbrio inerentes à natureza. Com a beleza das formas em seus ângulos
perfeitos.
Ouso movimentos
espontâneos: expressão de um saber corporal único, em sua materialidade
transcendental.
Como Marta Saré arrisco
a vida pelo amor (à arte, no meu onírico caso). Do rechaço e preconceito faço
busca de espaço social. Nego-me a cumprir a ordem textual do pai de Marta Saré:
“Pra dentro Marta
Saré... Pra dentro Marta Saré... Pra dentro...”.
E como Saré, deixo o
sertão e sigo a rota que leva ao mar. Num sonho de amor e de aventura, meu
coração zarpa. Seguindo a direção do curso desse rio rumo ao mar, prossigo, em
busca de expressão.
Isadora Duncan, Vaso
Grego, Vento, Fernanda Montenegro, Marta Saré... Estão a bordo.
Aproxima-se o momento
crucial do encontro das discrepantes águas. Antevejo a luta de cores e cursos,
de vegetação e de temperatura. Distingo cursos diferentes: de um lado o da água
doce e de outro a salgada. Vejo o quadro do confronto em sua grandiosidade e
inteireza. Sei que o que virá depois é uma forte despedida do menor pra ganhar
o maior. Meu coração encolhe diminutamente e se expande gigantescamente.
Enfim, meu coração
navega mar alto e repete o poeta, pois é uma nau com todas as velas
pandas. E o capitão é Fernando Pessoa.
Que me faz lembrar que essa viagem só vale à pena, se a alma não é pequena.
Então precisamos também
ao menos de uma Grande Alma nessa viagem. E ali está Mahatma Gandhi, bem
próximo a Pessoa. É impossível antever um diálogo entre ambos? Aguço todos os
sentidos, tentando beber suas palavras. Ouvi falar de autonomia dos
heterônomos? Parece-me que o tema que subjaz é a responsabilidade individual
perante a pluralidade do ser.
O olhar da minha Marta
Saré busca por um porto, ao mesmo tempo em que minha Isadora brinca com as
ondas do mar, usando como objeto intermediário uma fantástica e poderosa
echarpe. Enquanto isso, meu Fernando Pessoa e meu Mahatma Gandhi contemplam.
Concomitante é a ação
desse meu coração que busca, brinca e contempla a vida ‒ essa milagrosa dança
construída em ‘pas-de- deux’.
Florianópolis, março de
2011.
REFERÊNCIA
Domingo, 20 de setembro
de 2015
Comentário à Carta de
uma colega. Adroaldo Fontes Silveira.
Florianópolis, 14 de
setembro de 2015.
Em atenção ao
solicitado pela Professora Edna, coube-me a agradável tarefa de externar
comentários a respeito da carta elaborada por colega de oficina, tendo como
guia a ficha de leitura posta à minha disposição.
Posto que não declinada
a idade da escrevente, não é difícil situar a quadra etária da missivista. Em
primeiro lugar pelo lançamento da data no início de seu relato. Ao depois,
pelas palavras utilizadas ao descrever uma situação de antanho.
Assim, entendo ser a
carta provinda de uma menina que contava então entre dez e treze anos, o que me
faz responder afirmativamente que a linguagem utilizada se coaduna com a idade
da emissora.
Da mesma forma opino
pelo atendimento ao segundo item da ficha, qual seja quanto à contemporaneidade
da linguagem com o tempo em que a autora estava imersa.
Outrossim, a linguagem
usada está de acordo com o local onde a autora vivia.
Em relação a conflitos,
entendo terem ocorrido, pois há alusão aos “corretivos” a que era passível
advindos da sua genitora.
Não há qualquer
chamamento à destinatária para vir ao encontro da missivista para prestar-lhe
socorro, visto que sua própria mãe, em gestos de arrependimento, encarregava-se
em pedir desculpas à “ofendida”.
No que atine a mudanças
na Legislação Civil, entre o tempo decorrido da lavratura da carta até o tempo
e o local da destinatária impõe-se reconhecer o advento do ECA-Estatuto da
Criança e do Adolescente, traduzido na Lei 8.069 de 13 de julho de 1990, o qual
pôs cobro à liberdade dos genitores em infringir castigos físicos a seus
descendentes.
O mesmo pode ser
externado quanto à Legislação da Educação, bem como em se tratando das
orientações religiosas.
Como último, mas não
menos importante item da ficha de leitura, sou chamado a verificar se o tom da
carta pode ser entendido como queixoso, saudoso, revoltado, vingativo,
compreensivo, irreverente, racional, emotivo ou reflexivo. A volo d’uccelo,
constato que a cartinha demonstrou unicamente um acentuado saudosismo, o que me
dá sustento a responder negativamente quando a incidência dos demais itens
classificatórios.
Sub censura, deixo
assim registrada minha modesta colaboração.
Terça-feira,
27 de outubro de 2015.
Carta
a Gilberto (pai da "Filha do Coração"). Adroaldo Fontes.
Caro
colega Gilberto,
Antes
de mais nada permita-me tratá-lo na intimidade como colega, haja vista que
egressos das lides forenses trabalhistas. Ambos jubilados, espero estejas bem
aproveitando o merecido descanso, na mesma intensidade com que busco desfrutar
deste momento.
Apenas
hoje, meio frustrado pelo não surgimento do arrebol em razão da chuva, pude
chegar ao final da narrativa de parte da tua extraordinária história de vida.
A
vida me contemplou com uma boa prole, mas tua busca pela adoção nos iguala no
amor a nossos semelhantes.
Aos
contratempos enfrentados soubestes reagir com serenidade, mesmo que tomado por
momentos de ira e desgosto.
Não
canso de enfatizar que só as pessoas de boa formação têm o dom de suplantar as
adversidades que a vida nos brinda graciosamente.
Revelo-te,
sem qualquer pejo, que em várias passagens da história da tua vida fiquei
tomado pela emoção, vendo-me obrigado a interromper o cativante relato e
deambular por minha residência para uma recomposição emocional.
Aproveito
estas linhas para render homenagem a Dª Laura, tua fiel companheira, que nunca
deixou fenecer o amor dedicado a Beatriz.
Espero
ter notícias de vocês em porvindouro contato.
Adroaldo
Fontes.
Nota:
Gilberto é um personagem do livro A Filha
do Coração, de autoria de Lourdes Thomé. Link: