terça-feira, 16 de junho de 2020

Lendo Cinema II

Mediação de Brígida de Poli

LENDO CINEMA – II

Num filme o que importa não é a realidade, mas o que dela possa extrair a imaginação. (Charles Chaplin)

AS BALEIAS DE AGOSTO (The Whales of August)

Direção: Lindsay Anderson  ( 1987)


As velhas irmãs Libby (Bette Davis) e Sarah (Lillian Gish) vivem juntas numa casa ampla no rochoso litoral do Maine, onde costumavam passar o verão desde a infância, sempre de olho nas baleias que aparecem em agosto. Agora Libby está cega e Sarah precisa cuidar dela. Ambas vivem de recordações da família, dos maridos e dos amigos. O sr. Maranov (Vincent Price), um velho nobre russo fugido da Revolução de 1917, passa a visitá-las, mas é rechaçado asperamente por Libby, que teme que ele apenas queira se instalar na casa delas para aproveitar o pouco de dinheiro que ainda possuem.  (Sinopse: Adoro Cinema)


Curiosidades: Este foi o último filme da atriz Lilian Gish, aos 93 anos. Foi também o penúltimo trabalho de Bette Davis que estava com 79 anos. Vincent Price ganhou o papel de Maranov neste filme delicado depois de 25 anos só fazendo filmes de terror.




Link para ver o filme na íntegra:
Reflexões de Clara Pelaez Alvarez

Chama atenção a delicadeza do olhar e da narrativa.
Manuel Bandeira falava sobre esse “desejo infinito e vão de possuir o que me possui”. E parece que é isso que vamos tecendo pela vida: a posse de coisas, de afetos, de ideias. E então, à medida que o corpo murcha vamos descobrindo que o importante mesmo são as pequenas felicidades certas: a beleza das flores, o céu azul, a brisa morna, as baleias de agosto...
As lembranças vão agasalhando a vida que resta. Um dia de cada vez porque o amanhã é mera probabilidade. Que sentido tem viver? Que sentido tem envelhecer? Por que não podemos escolher quanto viver e quando morrer?
A cultura social nos possui tão profundamente que chamamos de liberdade o uso de grilhões. É preciso colocar roupa de festa para jantar, disfarçar o que se quer dizer com sorrisos para que não nos chamem de amargas. Por fora a polidez, a contenção, por dentro os medos dos quais não nos livramos: rejeição e abandono.
Parece que nesta tensão vivemos até o fim: entre a dinâmica da conformidade e o umbral da rebeldia.

Comentários de Clara Amélia de Oliveira
Parte 1:
A primeira coisa que me conectou com o filme foram algumas frases ou diálogos emblemáticos. Vou citar alguns:
“As fotografias perdem a cor. As recordações vivem para sempre.Obs. Eu achei muito verdadeiro. Nunca havia pensado desta forma mas me ajudou a desapegar de tanta fotografia que tenho acumulado.
“Aqui, o sol, a lua, a promessa das baleias. Em Paris, a champagne.” Obs. Achei bem filosófico, mostra diferentes valores dependendo de cada pessoa.
“A lua lança moedas de prata pela costa. É um tesouro que ninguém pode gastar.” Obs. Achei esta frase com um profundo sentido de que coisas muito mais valiosas não se pode pagar ou gastar.
“Se você estivesse aqui Philip. Acho que não vou aguentar muito tempo mais a Libby” (irmã da personagem da Bette Davis sobre a irmã azeda).
Obs. Aqui, eu me dei conta de que é comum procurarmos desculpas: "ah se você estivesse aqui, tudo seria diferente." É muito comum a gente buscar apoio fora de nós, quando quem precisa tomar atitudes somos nós, sozinhas. É um desafio!
Também me chamou a atenção as cenas em que as duas irmãs, tão diferentes, exibiram o mesmo comportamento, abrindo as caixinhas com suas recordações do passado.  Isto faz nos lembrar que somos todos iguais na essência, na alma. 
No final do filme, como era muito comum nos filmes antigos, a personagem azeda tem seu momento de redenção. Confesso que sempre gostei deste tipo de final de filme. Me ajuda a acreditar que as coisas, mesmo as ruins, não são obrigatoriamente para sempre. No momento em que houver o aprendizado, o mundo da pessoa se transforma. É importante, e saudável, ter esperança ser otimista. A redenção da Libby fez ela deixar de resistir a realizar o sonho da irmã de ter uma janela panorâmica. Ela própria encomenda ao marceneiro. Me emociono sempre nestas cenas de redenção e choro.
E, na cena final, as duas irmãs estão no penhasco, espécie de mirante de onde se avista o mar. A irmã azeda (que tb é cega) pergunta se a irmã está vendo as baleias. A resposta foi negativa. “Todas as baleias foram embora”, respondeu a irmã. Então, a outra irmã expressa uma frase também muito profunda: “Nunca se sabe.” Neste momento, é reforçada a sensação de redenção da irmã azeda havendo mesmo uma troca de papéis. A irmã que era boa e tolerante está pessimista, e a irmã azeda, e intolerante, se expressa com otimismo, apoiando a irmã.
Este, nunca se sabe, abre uma brecha para o improvável, que muitas vezes não acreditamos porque temos crenças negativas.
Parte 2:
Pela temática do filme, acabei me recordando de um documentário que assisti há um mês e que trata deste assunto. Pelo desequilíbrio ecológico, as baleias estão se deslocando da costa dos Estados Unidos e Canadá porque estão com fome. Ao se deslocar, estão passando em rotas de navios causando acidentes e morrendo. Os navios têm ordem de navegar devagar, mas não se encontrou uma solução. No filme as irmãs parecem representar esta esperança das pessoas que costumavam conviver com as baleias na sua costa. Se o mundo não tomar juízo, a irmã pessimista, ao dizer que "todas as baleias partiram" nos faz lembrar de algo que eu sinceramente não gostaria (a extinção das baleias).

Lembranças evocadas. Edna Domenica Merola

O tema de As baleias de Agosto me faz lembrar de alguém que já partiu e com quem eu ia olhar as baleias passarem na Praia da Armação, perto do Morro das Pedras.
Faz-me lembrar ainda, de outra pessoa que partiu também e com quem vi golfinhos em alto mar, durante uma excursão de navio.
A tensão no relacionamento entre as irmãs (personagens do filme) pode ser comum à maioria das relações de duplas que conviveram de maneira próxima e em situações difíceis como a de uma doença prolongada.
As tensões se resolvem, se dissolvem, desaparecem. Permanecem as boas lembranças.
E a saudade.


SOBRE BALEIAS E SORORIDADE, POR BRÍGIDA DE POLI

Embora muito próximas, as irmãs Libby e Sarah vêem a vida de formas distintas. A primeira, agora cega, é amarga e ranzinza. Não entende porque a irmã quer uma janela maior de frente para o mar na velha casa do Maine, onde passaram a infância e costumavam esperar a chegada das baleias de agosto. Sarah cuida da irmã, do jardim, conversa com os vizinhos e mantém a mesma doçura da juventude. Libby reclama de tédio e que gostaria de voltar à casa da cidade.
Uma cena nos revela algo importante: as duas já eram assim antes de envelhecer. Na cena elas conversam sobre os cônjuges, já mortos, e Libby ironiza que Sarah vivia aos beijos com o marido. Ela inclusive costuma celebrar o aniversário todos os anos com a foto do esposo, a música do casal e um cálice de licor. Sarah curte o passado, os bons momentos e continua serena e feliz. Já Libby hostiliza até um vizinho que vai visitá-las, dizendo que a casa delas não será refúgio para o também viúvo. Talvez por medo de perder a companhia e os cuidados que Sarah lhe dedica Libby ameaça ir embora, em clara chantagem sentimental.
Mais tarde em uma crise de consciência vemos Libby autorizando a construção da janela maior, desejo da irmã. Na cena final as duas vão até o local onde sempre costumavam avistar as baleias. Os animais não estão lá, mas Libby incentiva Sarah a acreditar que elas vão aparecer. É um momento terno e de reforço dos laços entre as duas irmãs.
Entre muitas indagações que me ficaram: agora na meia idade sou mais Libby ou mais Sara? Ficamos mais sábias e melhores na velhice? Laços como os das duas irmãs são indestrutíveis? Minha mãe tinha cinco irmãs, algumas “Libby”, outras “Sara”. Algumas sempre se doando, outras ranzinzas e voltadas para si mesmas. Mas, mesmo entre “tapas e beijos”, nunca se separaram. Hoje, apenas duas ainda estão vivas e mais unidas que nunca, lamentando sempre a ausência das outras quatro que já partiram.
(Brígida de Poli)



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Lendo cinema I

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