sábado, 19 de setembro de 2020

My Happy Family - filme

 My Happy Family

Linguagem original: Georgiano.

Diretores: Nana Ekvtimishvili e Simon Groß.

Produtor: Jonas Katzenstein, Maximilian Leo.

Data de lançamento (streaming): 1 de dezembro de 2017.

Tempo de execução: 2 horas.

Escrito pela filósofa Nana Ekvtimishvili cuja filmografia inclui ainda: In Bloom (2013), Esperando pela mamãe (2011), Lost Mainland (2008), Fata Morgana (2007).

Trilha sonora “feita pelos próprios atores [mostra] pela música um pouco da cultura regional e o talento de voz e violão da nossa protagonista.” (1)

A interpretação do: “elenco [dá] um banho em muitos [atores] que já estão no mercado há tempos.”

(1)  https://www.minhavisaodocinema.com.br/2018/02/critica-my-happy-family-2017-de-nana.html


My Happy Family (2017) foi indicado  pela cinéfila Brígida de Poli (Portal Makingoff).


Ao assistir ao filme, notei que os cantos masculinos são corais e o canto feminino é "single" acompanhado ao violão pela própria vocal. O canto coral masculino lembrou-me algo ancestral como a dança masculina grega e até o coro da tragédia grega por reiterar preceitos sociais. O coro de vozes masculinas traz temas masculinos . Uma letra que me chamou a atenção fala da conquista da amada pelo agricultor que a abate literalmente em campo (desculpem-me a expressão!). Mas as melodias são românticas e a performance traz algo de solene. 

As falas masculinas são de proteção à mulher e até de respeito, porém normativas e prescritivas. Remontam ao "shame culture" (cultura da vergonha).

Considerando o conceito budista de felicidade em oposição à crença na roda da fortuna, elocubramos que, na cultura ocidental, o aniversário é o dia de comemorar a vida, é o dia de receber votos de felicidades. No entanto, a família julga os indivíduos o tempo todo ao invés de celebrá-los constantemente e, dessa maneira, celebrar a vida. O aniversário é o dia de olhar para o lado de cima da roda da vida, atribuindo a fatores externos os aspectos bons da vida, ao invés de encará-la como algo sem dualismo (céu e inferno). Considerando o conceito budista de felicidade, propomos uma reflexão  sobre como seria a educação para a felicidade. Na família, o julgamento excessivo é uma forma de violência ou é “educativo”?  O julgamento e o controle geram felicidade? Como funcionam: julgar, controlar e colocar limites?

O fato do enredo do filme partir do aniversário de 52 anos da protagonista do filme instigou-me a verificar os significados atribuídos pela  numerologia ao número referido. Quando esse número chega na vida da pessoa ajuda-a a enfrentar o medo da mudança para alcançar novos horizontes

https://www.proveitoso.com/significado-do-numero-52-numerologia-cinquenta-e-dois/

Essa tarefa de superação não é exclusivamente feminina. Dessa maneira, a nosso ver, o filme indaga indiretamente sobre  as tarefas de emancipação feminina na família patriarcal.  

 Comentários – Clara Amelia de Oliveira

Eu farei uma análise do filme, à luz das questões feministas e da posição assumida pela mulher (personagem principal do filme, a professora Manana).  Esta análise está de acordo com a compreensão do pensamento da filósofa francesa Elisabeth Badinter, que diz, a respeito do feminismo, em seu livro intitulado, no original, Fausse Route. Em portugês, tradução livre: Maneira errada, ou ainda, Caminho errado. 

Inicialmente colocarei três citações tiradas deste livro de Badinter:

1-A realidade é infinitamente mais complexa oferecendo a cada um dos dois sexos argumentos para se dizerem vítimas um do outro.

2-As relações homem-mulher podem diferir bastante, de acordo com as classes sociais e as gerações a que pertencem.

3-A razão primeira do feminismo, em todas as suas tendências, é de instaurar a igualdade dos sexos e não exatamente a de melhorar as relações entre homens e mulheres. Neste sentido Badinter encerra seu livro dizendo que, buscar a igualdade dos sexos, pode ser um falso caminho (Fausse Route).

Sobre minhas memórias sobre o filme, diria que, não sou muito ligada a detalhes e, deste filme, visto há pouco tempo, eu apenas lembrava que ele foi tocante e que tratava do caso de uma mulher que decidiu sair de casa pra morar sozinha.   Um filme simples, mas não simplista. Lembrava ainda do processo de adaptação desta mulher, em sua nova residência, e que, ao final, há sinais de um possível recomeço entre ela, e seu marido que ficou na outra casa vivendo com a família dela. O filme, ao meu ver, sintetiza uma história genérica, mais humana do que feminina propriamente dita.  A personagem principal, Manana, que cansa e sai de casa, poderia ser trocada por outro personagem qualquer tal com seu marido, um jovem filho, um dos seus velhos, enfim, é uma história das mazelas humanas dentro da organização social denominada família e da organização social atual.

O filme se desenrola mostrando gradualmente o processo de mudança de alguém que busca outra forma de se relacionar com a vida.

Sobre a citação 1 de Badinter, que vê múltiplas razões para mulheres e homens se considerarem vítimas, uns dos outros, a personagem Manana, justamente não se colocou numa posição feminina de vítima dos homens, ou mesmo do sistema geral. De forma calma, porém decidida, ela tomou a sua atitude de sair do ambiente família que a estava oprimindo.

A citação 2 de Badinter, se refere às relações homem-mulher,  contextualizando no ambiente social e histórico, característica, esta, que me agrada bastante no pensamento expresso por esta autora. Neste ponto citado, segundo a história narrada no filme, o foco está nos conflitos entre as relações familiares em geral. Estas relações são influenciadas sim, de acordo com a classe social. Neste filme temos uma grande família, de categoria social classe média baixa, vivendo sob o mesmo teto, onde o pouco espaço físico leva à invasão da privacidade de cada membro da família. 

E sobre a citação 3 de Badinter, que é muito contundente e genérica. Ela identifica uma diferença crucial entre a luta pela igualdade dos sexos, e a luta pela evolução das relações humanas de forma harmônica, sem dominação. Neste mesmo sentido, ao meu ver, nos dias de hoje, mais parece que a mulher está guerreando para conquistar igual, e idêntico, poder que foi predominantemente exercido pelos homens. Os homens, usualmente, se caracterizam por ser mais pavões, mais explícitos, mais imediatistas. Olhou, gostou, comeu. Homem sempre foi o mais forte, o mais músculos, o mais garanhão (o pegador). Até lembrei do imperador romano que disse: vim, vi, venci. E as mulheres de hoje, o que querem? Querem ser igualmente mais-mais. Mas altas (salto do sapato alto de 12 cm), cílios postiços de 1.5 cm, peito maior, silicone nele. Boca maior, enxerto nela, e por aí a fora. Atitude, de pegar, de transar no primeiro encontro, de forma pública, sem hipocrisia (o que parece, a primeira vista, se uma conquista importante). Tudo isto dentro de uma tendência destas recentes gerações. Mas temos que pontuar, como também o faz Badinter, que não se pode generalizar para enquadrar todas as mulheres neste padrão- tendência. Temos que aceitar também que nem todos os homens se comportam dentro deste padrão machista, que é, igualmente, uma tendência, mesmo que ainda predominante. O poder de dominação, historicamente exercido pelos homens, também contou com algumas personagens históricas femininas, de igual força e maldade.

A conclusão sobre este assunto, que parece ter fugido um pouco das memórias do filme, mas é tudo a ver, é de que há que se criar uma estratégia para lidar com os problemas humanos que poupe energia gerada na fragmentação das diferentes categorias. Ao se focar nos direitos humanos, e lutarmos pela justiça social, automaticamente será contemplada, não apenas a mulher, tradicionalmente dominada no mundo machista, mas também, uma parcela minoritária, mas real, de homens dominados separados por categorias específicas (índios, homossexuais, negros, crianças...). Isso tem criado batalhas sem fim e alguns paradoxos. Para mudar o foco, deverá ser envolvida uma mudança estrutural sistêmica profunda. É difícil? Sim. Mas se não tivermos esta perspectiva, a ser atingida, vai-se continuar gastando pólvora em focos específicos gerando caos. É mulher divergindo de mulher. Por exemplo, mulher branca esnobando mulher negra. Aliás, agora não é suficiente ser mulher branca, tem de ser mulher loira. Já notaram a quantidade de loiras arianas, falsas, por aí? É mulher divergindo de homem. É mulher indígena divergindo de mulher urbana típica. É gay divergindo de hetero, parecendo até, em algumas situações mais radicais, que ser hetero seria defeito. Contra tanta opressão, somente humanização, compreensão e flexibilidade diante das diferenças, vai dar jeito.

Para retornar ao tema do filme My Happy Family (ah, vocês pensaram que eu não ia voltar ao filme né?) Divaguei, mas voltei para dar o desfecho necessário para o filme em questão. Podemos concluir que este filme primou por um roteiro espetacular. Um filme épico onde a heroína mostra características inegavelmente humanas, mesmo que possamos ter visto pelo foco de uma mulher, até ali, submetida ao marido, aos filhos e aos seus genitores, Manana demonstrou ser uma mulher-gente. Uma mulher vencedora porque venceu sua própria luta interna. Um filme muito positivo pois não vitimizou a situação feminina e mostrou enfim uma pessoa-mulher vencedora.

quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Lendo Cinema XIV. Pecados Íntimos.

PECADOS ÍNTIMOS (Little Children) – direção: Todd Field – 2006

Cenário 1 -Tudo parece seguir o ritmo normal numa pacata cidade, até que um ex-presidiário (Jackie Earle Haley) acusado de exibicionismo e pedofilia, volta para casa. Isso causa um alvoroço entre as famílias locais. Ele acaba perseguido por um ex-policial.
Cenário 2- Brad (Patrick Wilson) precisa estudar para passar no exame da ordem dos advogados e fica em casa cuidando do filhinho, enquanto sua mulher, uma bem sucedida documentarista, trabalha para manter a casa. Ele gosta de passar horas vendo jovens skatistas praticando.
Cenário 3 – Sarah (Kate Winslet) é uma entediada dona de casa que cuida da filhinha, enquanto o marido trabalha. Ela costuma levar a menina no mesmo parque em que outras mães e Brad, apelidado por elas de o “rei do baile”, leva seu filho.

Curiosidades: A história é adaptada do livro “Litlle Children”, de Tom Perrota.

O filme foi indicado ao Oscar nas categorias de Melhor atriz, Melhor ator coadjuvante e Melhor roteiro adaptado. Também foi indicado ao Globo de Ouro como Melhor drama, Melhor atriz e Melhor roteiro. O ator Jackie Earle Haley que não atuava há 13 anos recebeu vários prêmios de melhor atuação em outros festivais.

Compulsões Sociais. Por Edna Domenica Merola

Sexo explícito num filme que pretende dar mensagem sobre a correta maneira de se viver o amor familiar, mostrando diversas formas erradas de fazê-lo.  A trama pretende avaliar as relações familiares na sociedade americana para mostrar o que não deveria acontecer entre marido e mulher e entre mãe e filho. Tem um personagem exibicionista/pedófilo, um fanático (psicopata?) que quer colocar ordem na comunidade, um bonitão mal sucedido profissionalmente, a mulher bonita e bem sucedida que é mal amada, a mulher comum que abandonou seus estudos e foi ser dona de casa, mas é uma mãe rejeitadora, supostamente porque o marido prefere transar com personagem de site pornô do que amá-la. O corpo é mostrado como algo sujeito ao esporte violento e ao instinto sexual.
 O indivíduo da classe média é apresentado como alguém que se importa mais com o que os outros pensam dele do que com seus sentimentos, emoções, projetos de vida. A trama apresentada por cenas desastrosas são avaliadas por um narrador. (Isso lembra quando duas pessoas fazem coisas insólitas e chega um terceiro e opina de maneira absurda.). A "reflexão" do narrador quebra os efeitos das cenas anteriores e emblemáticas de violência ou sexo. Isso dá ares de série ao filme que acaba em tragédia.
O filme é realista, já que mostra uma comunidade americana vivendo compulsões: repetir erros nas relações familiares cheias de obrigações e cobranças, impor normas de condutas rígidas sobre comportamento sexual, sobre o sucesso profissional, sobre o poder aquisitivo, sobre o domínio de quem traz o sustento para o lar sobre os demais membros da família.
Mostra o individualismo, o egocentrismo e o materialismo como pilar da família e da identidade do sujeito.
As cenas de sexo são todas fora do casamento (e os envolvidos não acabam bem).
O gozo tranquilo e sem culpa passa longe de Pecados Íntimos (não se engane, pois, com essa tradução dada ao título).