CRIMES
DE FAMÍLIA- DIR:SEBASTIÁN SCHIVEL- ARGENTINA-2020
Um
homem acusado de agredir e estuprar a ex-mulher e a mãe dele lutando
desesperadamente para provar sua inocência. Esse resumo pode remeter a muitos
outros filmes, mas não se engane, há mais coisas pela frente. Na verdade, não
se vê apenas um, mas dois julgamentos em paralelo na tela. A diferença entre os
dois é a classe social dos réus. O primeiro é o de Daniel, filho de uma família
classe média alta e o segundo, de Gladys, empregada dessa mesma família. Ao
final, a história nos apresenta um enorme dilema.
A
atriz que interpreta Alícia, a mãe que abre mão de tudo para defender o filho,
é Cecília Roth, intérprete excepcional de “Tudo sobre minha mãe”, de Pedro
Almodóvar.
“Crimes
de família” (Crimenes de familia) tem algumas falhas de roteiro, mas se
redime no desfecho do filme.
Abertura por Brígida de Poli
Ficção & Realidade. Marlene Xavier Nobre
O filme retrata o inferno que um viciado em drogas é capaz de fazer: perder a razão e a lucidez.
Naquele lar tudo se transformou em pesadelo para um casal abastado, a partir das prisões de seu filho único Daniel, viciado em drogas e que comete delitos, deixando toda a família desestruturada e doentia.
A trama mostra os fatos: a separação de Daniel da mulher e do filho pequeno, a gravidez da empregada, e a separação dos pais do jovem adulto viciado.
O que mais me chama a atenção é que Alicia abre mão do conforto e do seu casamento de anos pelo amor ao filho viciado.
Alicia, no final, não abandona a nora e nem os netos. Aproxima os meninos.
O que Alicia suportou por amor a seus netos faz da personagem um grande exemplo de mãe e avó.
Independente de classe social toda a família que vive esse drama em casa não tem um final feliz. A droga é uma lepra, quando adentra qualquer lar, tira todos os que ali residem da zona de conforto. A droga mata sonhos, destrói famílias, corrói vidas, separa amores. Quantas mães vivem isso na pele!
Comentários. Edna Domenica Merola
Gladys é a personagem que engravida de um estrupo, mas não sabe que o agressor pode ser acusado. É a vítima que se incrimina pela violência sofrida.
O número exato de Gladys que há no mundo não posso calcular com exatidão. Mas aquilatar não é muito complicado. Tome o total de mulheres do mundo ocidental e do oriente "moderno" ou ocidentalizado, subtraia o número de mulheres graduadas e pós graduadas e as líderes que encabeçam movimentos em prol de minorias. Subtraia ainda (por benevolência ao sistema) as brancas com Ensino Médio ou modalidade correspondente em anos de estudo. Salve esse montante. Depois some-o a 99,9% do número de mulheres do oriente médio.
Mas sei que sabe, cara leitora, que números não aplacam o choro abafado por quatro paredes. Sei que sabe que uma mãe vitimada só pode gerar vítimas herdeiras de um sofrimento que nem tiveram a chance de construir.
Crimes
de família. Clara Pelaez Alvarez
Se
no filme “O jantar” a hipocrisia era servida em pequenos pedaços num
restaurante, neste a hipocrisia é servida em suculentos pedaços em processos
jurídicos. Os dois filmes mostram a fedentina social. Levantam o tapete e eis:
hipocrisia e crueldade.
Filme
que causa náuseas desde o início. Não há redenção possível para os personagens,
quer sejam as “pessoas de bem”, os advogados, juízes, policiais. Fiquei
procurando no bolso algum tipo de perdão, mas nada encontrei. São todos cúmplices do horror. A sala do
tribunal, vazia, escura e fria com uma única culpada esperando os carrascos
mostra bem o que criamos.
Gladys
é resultado da nossa cumplicidade social. A inocente que se crê culpada e que
carrega todos os sofrimentos do mundo, ao melhor estilo cristão, redimindo a
sociedade. Os invisíveis que quando percebidos causam pavor social, pois jogam
luz à hipocrisia de todos nós. Quantas
Gladys existirão neste mundo? Haverá
por aí alguma Dulcinéia que, montada num Rocinante, empunhe a lança de batalha
contra os moinhos de pessoas? Talvez. Mas uma só não bastará.
Brígida
de Poli é jornalista, cronista, cinéfila, colunista do Portal Makingof http://portalmakingof.com.br/cine-e-series. Simpatizante e
voluntária em prol dos direitos e do bem-estar de refugiados. Idealizadora e
mediadora do Lendo Cinema, autora do livro As Mulheres de Minha Vida, Coleção
Palavra de Mulher, Editora Insular https://insular.com.br/produto/as-mulheres-da-minha-vida/
Edna Domenica Merola é Mestra em Educação e Comunicação. Autora do livro As Marias de San Gennaro, Coleção Palavra de Mulher, Editora Insular https://insular.com.br/produto/as-marias-de-san-gennaro/.
Marlene Xavier Nobre é autora de Lembranças e Esperanças de uma Mulher (Insular, 2020); A Meus Queridos Netos (Postmix, 2017).
Links
para leitura de postagens anteriores de Lendo Cinema
Lendo cinema I – O Jantar (Oren Moverman, 2017)
Lendo cinema II – As Baleias de Agosto (Lindsey Anderson, 1987)
Lendo cinema III – Eu, Daniel Blake (Ken Loach, 2016)
Lendo cinema IV – O Cidadão Ilustre (Mariano Cohn, 2017)
Lendo cinema V – A Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batatas (Mike Newell, 2017)
Lendo cinema VI – O Filme da Minha Vida (Selton Melo, 2017)
Lendo Cinema VII – Nossas Noites (Ritshe Batra, 2017)
Lendo Cinema VIII – O Filho da Noiva (Juan José Campanella, 2001)
Lendo Cinema IX – O Vazio do Domingo (Ramón Salazar, 2018)
Lendo Cinema X – Whisky (Juan Pablo Rebella, Pablo Stoll, 2004)
Lendo Cinema X I – Aquarius (Kléber Mendonça, 2016)
Lendo Cinema X I I– A Prima Sofia (Rebecca
Zlotowski, 2019)