quinta-feira, 30 de julho de 2020

Lendo Cinema IX. O Vazio do Domingo.


O Vazio do Domingo


Chiara (Bárbara Lennie) foi abandonada pela mãe, Anabel (Susi Sánchez), ainda criança, há mais de 30 anos.  Um dia, ela decide procurar por Anabel, lhe propondo algo inusitado: que as duas passem 10 dias juntas, em um lugar afastado. A mãe – que hoje tem nova vida e família - acaba aceitando, sem saber quais as reais intenções de Chiara.

Ficha técnica

Ano: 2018

Duração: 1h53

Direção: Ramón Salazar

Gênero: Drama


País: Espanha

Abertura e mediação por Brígida de Poli


Condicionais perceptivas, por Edna Domenica Merola

Se o filme tem por temas o direito à eutanásia, o abandono filial pela mãe, a traição amorosa tendo em vista o enriquecimento, a morte prematura de uma jovem cujos pais são vivos, a rivalidade entre regiões europeias...
Se a fotografia, no filme, carrega numa cor predominante (ora vermelho, ora rosa, ora branco), se à revelia disso, elegi o cinza das imagens iniciais como cor afetiva do filme... Se o tempo lento traz à tona apreensão e angústia, se o vestuário dos personagens aponta para clichês do conservadorismo masculino e da masculinização feminina, se a expressão corporal dos personagens é similar à criação do vestuário...
Se assisti a esse filme pela segunda vez, mas não pude retê-lo na memória a partir da primeira... Se numa segunda vez destaquei a cena em que o personagem masculino aponta para a mulher que o traiu, no passado que ela tem: “necessidade de imaginar que o que ela precisa está em outro lugar qualquer que não seja aqui”. Ele diz a ela que o rancor que sentiu ao ser largado se transformou. Acrescenta que: "algumas lembranças se movem e nos ajudam a viver. Outras ficam estagnadas, se não as puser em movimento de novo, elas perturbam.”
Se essas percepções me ocorreram, é sempre bom lembrar quão importante a contemporização  é para a  existência plena do ser.

Dicas de pesquisa por Edna Domenica Merola
Um autor que sustentaria a análise desse filme é Gaston Bachelard (1998), principalmente no que diz respeito à simbologia da água do lago que se refere, em última instância, à morte. Após as cenas da introdução que conta com vários personagens e ambientes luxuosos, a imagem do lago passa a ser a paisagem recorrente de uma humilde casa campestre onde mãe e filha vivem a tragédia do espectro da rejeição, fechamento e tentativas de aproximação, numa suposta tentativa de sanar o abandono. Perto do final, o lago será o local da consumação da morte da heroína.

REFERÊNCIA
Bachelard, Gaston. A água e os sonhos. Ensaio sobre a imaginação da matéria. Martins Fontes, 1998.

Reflexões sobre O vazio do domingo. Por Clara Pelaez Alvarez

Já que não me ajudaste a viver, podes me ajudar a morrer? Já que nos dias da minha vida a ânsia por ti era maior que o céu azul por que não me levas agora a minha tumba?
Numa floresta sem folhas, numa dinâmica lenta e arrastada vão eclodindo mágoas, fragilidades, culpas. Pensei isso e aquilo. Mas nada era isso. Ela só queria morrer. Só isso.
Tabus são prisões, ilusões de lógica. Amor é vida e é morte. Nem a sociedade, nem os amores me possuem. Cheguei nua e molhada. Volto molhada e nua. Nos meus termos.


Brígida de Poli é jornalista, cronista, cinéfila, colunista do Portal Making Of  http://portalmakingof.com.br/cine-e-series. Simpatizante e voluntária em prol dos direitos e do bem-estar de refugiados. Idealizadora e mediadora do Lendo Cinema, autora do livro As Mulheres de Minha Vida, Coleção Palavra de Mulher, Editora Insular https://insular.com.br/produto/as-mulheres-da-minha-vida/

Clara Pelaez Alvarez é pesquisadora da ciência das redes.

Edna Domenica Merola, mestre em Educação e Comunicação. Autora do livro As Marias de San Gennaro, Coleção Palavra de Mulher, Editora Insular https://insular.com.br/produto/as-marias-de-san-gennaro/.

Links para leitura de postagens anteriores de Lendo Cinema

Lendo cinema I – O Jantar (Oren Moverman, 2017)

Lendo cinema II – As Baleias de Agosto (Lindsey Anderson, 1987)

Lendo cinema III – Eu, Daniel Blake (Ken Loach, 2016)

Lendo cinema IV – O Cidadão Ilustre (Mariano Cohn, 2017)

Lendo cinema V – A Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batatas (Mike Newell, 2017)

Lendo cinema VI – O Filme da Minha Vida (Selton Melo, 2017)

Lendo Cinema VII – Nossas Noites (Ritshe Batra, 2017)

Lendo Cinema VIII – O Filho da Noiva (Juan José Campanella, 2001)

sábado, 25 de julho de 2020

Lendo Cinema VIII. O Filho da Noiva.


O FILHO DA NOIVA (EL HIJO DE LA NOVIA)

Direção: Juan José Campanella – Argentina – 2001

Rafael Belvedere (Ricardo Darín) é um homem de 42 anos, separado, pai de uma menina e que administra o restaurante Belvedere, construído por seus pais, Nino (Héctor Alterio) e Norma (Norma Aleandro) Belvedere, décadas atrás. Enquanto lida com a frenética rotina do estabelecimento, atendendo clientes, fornecedores, bancos e um grupo empresarial interessado em comprar o local, Rafael precisa dar atenção para sua namorada Naty (Natalia Verbeke), manter uma relação minimamente civilizada com sua ex-esposa Sandra (Claudia Fontán), para o melhor desenvolvimento de sua filha Victoria (Gimena Nóbile); ocupar-se com o ressurgimento de Juan Carlos (Eduardo Blanco), um amigo de infância que não via há décadas, ao mesmo tempo que cuida de seus pais e com a doença de Alzheimer que sua mãe enfrenta, algo que dificulta ainda mais a já conturbada relação de mãe e filho. ( Sinopse:Plano Crítico)


Curiosidades:
O diretor Juan José Campanella  é o mesmo do celebrado O segredo de seus olhos, vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro( 2010). Aliás O Filho da Noiva também foi indicado ao Oscar, mas perdeu para o representante da Bósnia. Esse foi o 2º filme que Ricardo Darin fez com Campanella, de um total de quatro.
Campanella se inspirou na doença da própria mãe para criar a personagem de Norma Alejandro.

                                                       Indicação do filme e abertura por Brígida de Poli

                                                                                          EL HIJO DE LA NOVIA


Leituras, por Edna Domenica Merola
Ler os desejos do outro, ouvir cobranças de parceiros ou pais, tentar agradar àqueles quem amamos, confundir essas escolhas com obrigações e tentar encaixá-las numa agenda quase impossível de cumprir, sufocar-se nessa rotina, viver ansiosamente, querer deixar tudo de lado para tomar novos rumos existenciais. Esse é o dilema não só do protagonista de O filho da Noiva como de grande parte da população ocidental na faixa dos quarenta anos. Não é à toa que cursos, livros, palestras e demais ações de auto ajuda são largamente consumidos.
O filme me fez refletir sobre os entraves familiares e culturais em torno do amor. Sobre a dificuldade de pedir perdão e de se sentir perdoado. Sobre a dificuldade de “dar de ombros” para algumas exigências do outro. Sobre continuar a amar os pais à revelia de suas projeções sobre as vocações filiais.
Sobre atribuir aos outros as próprias dificuldades para romper com antigos padrões e rotinas e inaugurar o novo.
Mas o filme faculta outras leituras: uma boa história com imagens agradáveis e bons atores. Afinal, momentos diferentes definem leituras diferentes, já que somos, felizmente, seres em constante mudança.

Reflexões de Clara Pelaez Alvarez sobre O filho da Noiva
“Quando você sabe que o que pode acontecer nunca será pior que aquilo que já te aconteceu, isso te dá um certo poder”.
Famílias são como micro manicômios sociais. Entrelaçam-se autorreferências, manipulações e expectativas. Cada um interage desenvolvendo mecanismos de sobrevivência. Crenças, preconceitos, modos de fazer as coisas e de se relacionar com os outros são carregados pela vida toda sem que tenhamos consciência de que foram adquiridos e que podem ser mudados. Em famílias amorosas a dinâmica é mais suave e afetiva, mas ainda assim o caldeirão é o mesmo. 
A vida tem o tamanho das nossas perguntas. É sempre inconclusiva.
Tudo o que o rei Midas tocava era transformado em ouro. Tudo o que tocamos é transformado em realidade. O universo existe independente do ser que o percebe? Ou ele existe porque algum ser o percebeu? 

Brígida de Poli é jornalista, cronista, cinéfila, colunista do Portal Making Of  http://portalmakingof.com.br/cine-e-series . Simpatizante e voluntária em prol dos direitos e do bem-estar de refugiados. Idealizadora e mediadora do Lendo Cinema, autora do livro As Mulheres de Minha Vida, Coleção Palavra de Mulher, Editora Insular https://insular.com.br/produto/as-mulheres-da-minha-vida/
Clara Pelaez Alvarez  é pesquisadora da ciência das redes.
Edna Domenica Merola, pedagoga e psicóloga, mestre em Educação e Comunicação, participa de Lendo Cinema ); de Textos Curtos da Biblioteca do CIC (com Gilberto Motta e Esni Soares); das aulas sobre música popular brasileira ministradas por Alberto Gonçalves. Autora do livro As Marias de San Gennaro, Coleção Palavra de Mulher, Editora Insular https://insular.com.br/produto/as-marias-de-san-gennaro/


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Lendo cinema I – O Jantar (Oren Moverman, 2017)

Lendo cinema II – As Baleias de Agosto (Lindsey Anderson, 1987)

Lendo cinema III – Eu, Daniel Blake (Ken Loach, 2016)

Lendo cinema IV – O Cidadão Ilustre (Mariano Cohn, 2017)

Lendo cinema V – A Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batatas (Mike Newell, 2017)

Lendo cinema VI – O Filme da Minha Vida (Selton Melo, 2017)

Lendo Cinema VII – Nossas Noites (Ritshe Batra, 2017)


sábado, 18 de julho de 2020

Lendo Cinema VII. Nossas Noites.


NOSSAS NOITES  (Our souls at night) – direção: Ritshe Batra - 2017

Há poucas histórias românticas no cinema em que os personagens estejam na maturidade. Uma das mais sensíveis veio ironicamente pelas mãos do ex-brutamontes Clint Eastwood, o excelente As pontes de Madison (1995), onde o diretor interpreta o fotógrafo da National Geographic que encontra uma dona de casa do interior, vivida por Meryl Streep. O encontro amoroso dos dois é filmado de maneira delicada e comovente.
A dupla de Nossas Noites também não é fraca! Robert Redford e Jane Fonda fizeram juntos o adorável Descalços no Parque (1967) quando tinham apenas 30 anos. Passados mais de 50 anos, eles voltam a se juntar para contar a história de outro casal ( veja nas fotos ).
Jane Fonda é Addie Moore, uma viúva solitária que bate na porta do vizinho Louis Waters (Robert Redford) para convidá-lo a dormir na sua casa. O convite nada tem de “indecoroso”, afinal ambos sofrem de insônia e podem fazer-se companhia nas longas noites.  O professor aposentado fica um pouco atônito, mas acaba aceitando a proposta. Aos poucos vão conversando,  se (re)conhecendo e aprofundando uma bela relação.
DISPONÍVEL NA NETFLIX
(Abertura: Brígida De Poli) 




Leituras de Edna Domenica Merola

Li mais um filme recomendado por Brígida de Poli. Concomitantemente, reli o livro Antropologia das Emoções, e me deparei com o fato de que  o livro contempla aspectos temáticos que abstraí do filme Nossas Noites (2017): "dois sentimentos [...] entendidos como esforços emocionais de fusão com o outro (o amor e a admiração); dois sentimentos suscitados pela ausência do outro (a solidão e a saudade); e um tipo de relação engendrado pelo desejo de estar com o outro (a amizade)."(Coelho e Rezende, 2010, p 49).

Ficção e pesquisa acadêmica se debruçam sobre temas idênticos e usufruir deles me ajuda a manter a integridade emocional durante a pandemia.
O prolongado afastamento corporal no convívio em sociedade tem estimulado mergulhos espirituais nas produções culturais dessa mesma e contraditória sociedade. 
Assistir ao filme Nossas Noites (2017) é um desses mergulhos necessários para o bem estar, no momento, à medida que contribui para a compreensão de que o convívio possível (permeado por vias não presenciais) pode manter um vínculo de amizade e amor, preservando a felicidade possível.

Reflexões sobre Nossas Noites. Clara Pelaez Alvarez

Tudo que é repetitivo vicia. Tem pessoas viciadas em sofrimento, em cigarros, em sexo, em chamar atenção, em...  O cérebro humano vai sempre pelo caminho de menor resistência, ou seja, o caminho mais usado. Por isso é tão difícil deixar vícios, hábitos, manias. Viver com alguém muitos anos deixa marcas profundas quando essa pessoa se vai. É preciso rearranjar tudo. E não é fácil. Addie (a protagonista) ousa como os que estão em abstinência e convida o vizinho para dormir em sua cama. Essa é uma das graças da velhice: dane-se o mundo. Criticar a vida alheia é o bálsamo indicado para uma vida medíocre e quase sempre esconde uma inveja mortal daquilo que o outro é ou possui. A polícia social nunca dorme e nunca se cala. Os ousados criam vidas originais, os invisíveis criam cópias.

Referência 

Cláudia Barcelos REZENDE e Maria Cláudia COELHO. Antropologia das emoções. Rio de Janeiro: Editora FGV,  2010, Série Sociedade & Cultura, número 12, p 49.



Brígida de Poli é jornalista, cronista, cinéfila, colunista do Portal Making Of  http://portalmakingof.com.br/cine-e-series . Simpatizante e voluntária em prol dos direitos e do bem-estar de refugiados. Idealizadora e mediadora do Lendo Cinema, autora do livro As Mulheres de Minha Vida, Coleção Palavra de Mulher, Editora Insular https://insular.com.br/produto/as-mulheres-da-minha-vida/
Clara Pelaez Alvarez  é pesquisadora da ciência das redes.
Edna Domenica Merola, pedagoga e psicóloga, mestre em Educação e Comunicação, participa de Lendo Cinema ); de Textos Curtos da Biblioteca do CIC (com Gilberto Motta e Esni Soares); das aulas sobre música popular brasileira ministradas por Alberto Gonçalves. Autora do livro As Marias de San Gennaro, Coleção Palavra de Mulher, Editora Insular https://insular.com.br/produto/as-marias-de-san-gennaro/


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Lendo cinema I – O Jantar (Oren Moverman, 2017)

Lendo cinema II – As Baleias de Agosto (Lindsey Anderson, 1987)

Lendo cinema III – Eu, Daniel Blake (Ken Loach, 2016)

Lendo cinema IV – O Cidadão Ilustre (Mariano Cohn, 2017)

Lendo cinema V – A Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batatas (Mike Newell, 2017)

Lendo cinema VI – O Filme da Minha Vida (Selton Melo, 2017)

segunda-feira, 13 de julho de 2020

Lendo Cinema VI. O Filme de Minha Vida.

Abertura por Brígida de Poli

O FILME DA MINHA VIDA – direção: Selton Melo – 2017
 Adaptação do romance Um Pai de Cinema, escrito pelo chileno Antonio Skármeta, autor também do famoso O Carteiro e o Poeta. 
O filme se passa nos anos 60, na serra gaúcha, e gira em torno de Tony, filho de um francês e uma brasileira, que estuda na cidade para ser professor. Quando ele retorna para casa vê o pai, Nicolas, ir embora para a França, sem nenhuma explicação. Na ausência da figura paterna, Tony desenvolve uma profunda amizade com Paco, antigo amigo de seus pais. Ele e a mãe nunca superaram a tristeza pela ausência de Nicolas. Um dia, Tony tem uma grande surpresa. 
Direção: Selton Melo Elenco: Johnny Massaro, Selton Mello e Vincent Cassel 
Disponível: Netflix 


 Depoimento de Edna Domenica Merola

Mais um filme lindo escolhido por Brígida de Poli para um pequeno grupo do qual faço parte. Não se trata apenas de outra escolha apropriada e sim de algo muito especial. A poética do filme me tocou por meio do colorido outonal que impregna as imagens que o protagonista narrador relembra, em especial, quando se trata da mãe dele. Sensibilizaram-me, ainda, as imagens telúricas das caminhadas de Tony Terranova nas estradas de terra, quer seja de bicicleta (cenas da infância) ou moto (cenas da juventude). As cenas recorrentes da estação de trem jogam com luz e sombra: claridade trazida por quem chega e obscuridade deixada por quem vai. A estação de trem comparece como símbolo de limiar ou passagem. É por meio de uma viagem de trem que o jovem protagonista chega à fronteira, local onde inicia sua vida sexual e desvela o motivo do desaparecimento de seu pai. A primeira cena do condutor do trem inclui uma imagem de seu rosto cujas rugas lembram raízes. Tal personagem é telúrico e outonal: enrugado como a terra árida, consciente de sua importância para a mobilidade existencial e outonal por implicar na ideia de olhar para atrás e aquilatar, ação fundamental para inaugurar novos futuros. 

 A trilha sonora remonta aos “anos sessenta” (1960): rocks em inglês ou versões brasileiras, música francesa e nacional. Há três músicas de três cenas de determinados personagens que prenunciam fatos vindouros da narrativa. Essas músicas são associadas a reminiscências e "cor local": 
- Hier Encore, ponto alto do filme: verdadeira referência sonora da obra

 - Coração de Papel: ao som dessa música, as cenas mostram os jovens da cidade em torno da escola, com suas lambretas e óculos escuros e demais vestimentas copiadas dos filmes de Hollywood. 
- Habanera: música usada para ensaio de uma coreografia por alunas da escola na qual o protagonista é professor. Ele perde os pés do chão ao ver a beleza de duas irmãs. Mais tarde ele vai escolher a mais nova para ser sua namorada

 Reflexões sobre “O filme da minha vida”. Clara Pelaez Alvarez 
 Metade da vida é guiada por hormônios e a outra metade por regras sociais. E as duas metades raramente concordam... Entre essas trincheiras intransponíveis se entrelaçam afetos, amores, medos, lamentos, sonhos e ilusões. Quando nascemos nossos cérebros estão prontos para absorver qualquer realidade e ao longo do tempo são moldados pelas crenças e pressupostos das redes nas quais estamos enredados (família, amigos, etc). Resta sempre a pergunta fundamental: aquilo em que acreditamos é nossa marca individual ou é apenas uma marca de crença coletiva? À medida que as experiências se acumulam os eventos antigos ganham novos contornos e nuances. Os olhos de ontem são diferentes dos olhos de hoje. A memória de ontem é diferente da memória de hoje. Este filme tem o ritmo lento da memória de um velho que não teme a morte e uma trilha sonora belíssima.

Brígida de Poli é jornalista, cronista, cinéfila, colunista do Portal Making Of  http://portalmakingof.com.br/cine-e-series . Simpatizante e voluntária em prol dos direitos e do bem-estar de refugiados. Idealizadora e mediadora do Lendo Cinema, autora do livro As Mulheres de Minha Vida, Coleção Palavra de Mulher, Editora Insular https://insular.com.br/produto/as-mulheres-da-minha-vida/
Clara Pelaez Alvarez  é pesquisadora de ciência das redes.
Edna Domenica Merola, pedagoga e psicóloga, mestre em Educação e Comunicação, participa de Lendo Cinema ); de Textos Curtos da Biblioteca do CIC (com Gilberto Motta e Esni Soares); das aulas sobre música popular brasileira ministradas por Alberto Gonçalves. Autora do livro As Marias de San Gennaro, Coleção Palavra de Mulher, Editora Insular https://insular.com.br/produto/as-marias-de-san-gennaro/



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domingo, 5 de julho de 2020

Lendo Cinema V

A SOCIEDADE LITERÁRIA E A TORTA DE CASCA DE BATATA
– Direção: Mike Newell (2017)
 A história se passa em 1946, fase em que Inglaterra tenta se reerguer após o fim da II Guerra Mundial. A escritora Juliet Ashton decide visitar Guernsey - uma das Ilhas do Canal invadidas pela Alemanha durante o conflito -depois de receber a carta de um fazendeiro contando sobre como um clube do livro local foi fundado durante a guerra. Após ouvir suas histórias e estreitar laços com os moradores da Ilha, Juliet decide escrever um livro sobre o que eles viveram sob o domínio dos nazistas. Essa experiência muda também a vida da própria escritora.
O filme é delicado, sem muitas cenas de batalha ou sangue, e cada espectador destacará o que mais lhe toca. Para mim, o ponto alto da história é mostrar a amizade e a arte ( a literatura) como base de sobrevivência emocional para seres humanos em desespero.
Quem acompanhou “Downton Abbey” vai reconhecer vários atores da série no elenco de “A Sociedade Literária e a torta de casca de batata”, a começar pela protagonista, Lily James.
Para quem se interessar em ler: o filme se baseia no livro de Annie Barrows – Shaffer e Mary Ann Shaffer, da editora Rocco. 
(Brígida De Poli)

A vitória do romance como resistência por Yara Hornke
No filme, a vitória do romance, espelha a resistência à investida do capitalista americano, com sua ostentação expressa no anel tão caro que não se podia usar.... e no avião fretado com que ele chega para buscar nossa heroína e que contrasta com a simplicidade da comunidade. 

Comentários de Clara Amélia sobre o filme: Guernsey Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batata 
                    Se os livros tem o poder de unir pessoas, que este faça a sua magia.                                                                                                         (Frase ouvida no filme).

A magia dos livros é verdadeira, e cada livro que chega nas nossas mãos representa esta magia. Porque um certo livro e não outro qualquer chegou até nossas mãos? Seria uma sincronicidade, como definiu Jung, para coisas improváveis, mas resultantes de uma considerada coincidência? Ah esta magia...
O filme justamente trata de uma reunião de pessoas em torno da leitura de livros. O filme emociona pela carga de humanidade que sua narrativa cênica  traz, indo mais além do que mostrar os bons e os maus, os algozes e as vítimas. O filme mostra o ser humano vivendo e amando por baixo dos panos do poder dominante. A amizade que surge entre o soldado nazista alemão, veterinário, e o jovem fazendeiro inglês. A paixão que nasce entre o soldado alemão e a jovem inglesa Elisabeth. 
Numa época de guerra e dominação, uma mulher se revela em defesa dos mais fracos e é presa e deportada. O alemão denunciado, por seu relacionamento proibido, é transferido do local. E neste jogo, em baixo dos panos, surge também a figura dos traidores. Traidores, covardes que são igualmente explorados pelo poder dominante, mas acreditam nas normas que este mesmo poder explorador criou. Assim a traição denunciando um caso genuíno de amor. E, a traição à memória de Elisabeth, expressa sob o manto do moralismo, denegrindo sua pessoa por ter tido a coragem de amar sem preconceito.
A figura de Elisabeth, mesmo sem aparecer muito no filme, se destaca por suas posições firmes e sua coragem.
Uma questão ética apareceu para pensarmos. As pessoas do grupo decidiram que não iria ser comunicado à família alemã da menina Kit, filha de Elisabeth com o soldado alemão, a sua existência. Não fica claro se a mãe da menina não tinha parentes. Será que isto foi o mais correto?
Como Brígida de Poli escreveu acima, o filme baseia-se num livro homônimo. O filme descreve a vida das pessoas nas terras ilhoas de Guernsey. 
O escritor Victor Hugo, em sua obra Os Trabalhadores do Mar descreveu a vida dos marítimos desta ilha. Exatamente nesta ilha de Guernsey viveu em exílio este escritor francês. E me impressionei quando soube, em sua biografia, que ele se banhava diariamente nas águas mostradas no filme, durante o ano todo, com seus mais de oitenta anos. Ilha, águas, terra, magia. O filme me trouxe o livro. O livro foi ilustrado no filme. Pura magia.

Identificações. Edna Domenica Merola

Faz tempo que assisti ao filme A Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batata. Revi por sugestão da Brígida de Poli, com foco na proposta por ela idealizada: Lendo Cinema. O filme é lindo. Adoro os filmes ambientados nos anos 1940 ( juventude dos meus pais).
Como Juliet Ashton, a protagonista, "sou leitora, mas também escritora". Como ela também saí de um grande centro urbano para morar numa ilha: talvez um refúgio necessário para mergulhar na escrita.
O falso moralismo é repudiado pela protagonista Juliet, também me identifico com essa postura. Ela se coloca contra o casamento vitoriano. Endossa a luta feminista, sem no entanto ser militante no sentido arrivista da palavra.
O filme retrata o período pós guerra numa ilha do canal da Mancha e (em flash back) a invasão nazista (durante a segunda guerra do século XX), após o ataque aéreo. Churchill, antes do ataque, havia retirado, na surdina, o maior número possível de habitantes, principalmente as crianças de sexo masculino que foram levados para o território continental.
Segundo o filme, a Organização Todt prestava serviços às custas do trabalho escravo de poloneses e russos. Empregava um pequeno número de conselheiros técnicos e engenheiros e muita mão de obra escrava. É registro histórico que a OT foi um grupo paramilitar de construção e engenharia criado na Alemanha, durante os anos do Terceiro Reich, por Fritz Todt, Ministro do Armamento e Munições do Reich.
A escritora Juliet Ashton fica noiva de um militar americano, em Londres. Mas resolve visitar uma sociedade literária e na convivência com os participantes do grupo conhece a história de vida deles. Quer publicar a história do grupo no The Times, mas o grupo não autoriza, sugerindo uma postura anti imperialismo estadunidense, tema que é bem oportuno retomar, no momento.
Elisabeth Anne Mckenna é presa pelos nazistas por se rebelar. Deixa a filha Kit com três anos de idade com um amigo. Juliet Ashton se sensibiliza e se identifica com Kit e os demais solitários do grupo literário e acaba se apaixonando por um deles.
O filme apresenta o diferencial de mostrar apenas algumas cenas de sangue (ambientadas no hospital e não no campo de batalha). Pode-se talvez classificá-lo como romance histórico e drama, no entanto, dado o aproveitamento fotográfico da deslumbrante paisagem da ilha, pode até funcionar como marketing de turismo para as ilhas do canal da Mancha. O enredo, a construção dos personagens, o figurino, a fotografia, o uso do flash back e as belas paisagens resultam em entretenimento e cultura, ficção e realidade nas doses necessárias para agradar o público cinéfilo.

Comentários. Clara Pelaez Alvarez
Belíssima narrativa sobre coisas simples e pessoas comuns.
As pessoas são comuns até que alguém conte suas histórias, aí se tornam extraordinárias. Escritores pinçam heróis anônimos na multidão e os tornam imortais. Quem continua comum não teve a sorte (ou o azar) de encontrar um bardo.
Existem escolhas que provocam enormes mudanças nas nossas vidas e existem escolhas que afetam apenas o minuto seguinte. Caminhos cheios de encruzilhadas e opções definitivas. O cérebro humano absorve uma enorme quantidade de informações, o consciente tem acesso a apenas uma pequena quantidade delas. Quando estamos numa transição de fase quem, ou o que, faz a escolha?
Misteriosos pequenos instantes em que tudo muda. Tudo se entrelaça: as partículas subatômicas, as narrativas, você, eu e o mundo todo.


Brígida de Poli é jornalista, cronista, cinéfila, colunista do Portal Making Of  http://portalmakingof.com.br/cine-e-series . Simpatizante e voluntária em prol dos direitos e do bem-estar de refugiados. Idealizadora e mediadora do Lendo Cinema, autora do livro As Mulheres de Minha Vida, Coleção Palavra de Mulher, Editora Insular https://insular.com.br/produto/as-mulheres-da-minha-vida/
Clara Amélia de Oliveira é engenheira, professora aposentada da UFSC . 
Clara Pelaez Alvarez  é pesquisadora da ciência das redes.
Edna Domenica Merola, pedagoga e psicóloga, mestre em Educação e Comunicação, participa de Lendo Cinema ); de Textos Curtos da Biblioteca do CIC (com Gilberto Motta e Esni Soares); das aulas sobre música popular brasileira ministradas por Alberto Gonçalves. Autora do livro As Marias de San Gennaro, Coleção Palavra de Mulher, Editora Insular https://insular.com.br/produto/as-marias-de-san-gennaro/
Yara Hornke, psicóloga, trabalha em prol dos direitos e do bem-estar de presidiários (1)


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