sábado, 15 de agosto de 2020

Lendo Cinema XI. Aquarius.

AQUARIUS – direção: Kleber Mendonça Filho – 2016
O filme de Kleber Mendonça toca em vários temas contemporâneos, como a especulação imobiliária e preservação da memória. Sônia Braga interpreta a jornalista Clara, aposentada, viúva, mãe de três filhos adultos. Como última moradora do edifício Aquarius, em Recife, ela tenta impedir sua demolição por uma construtora que pretende construir um grande condomínio à beira mar. Vemos também Clara lidando com os conflitos típicos de uma mulher na maturidade, inclusive a mutilação provocada por um câncer de mama. Mas, ela é resistente e não abre mão de sua sexualidade, nem de lutar pelo que acredita.
O filme foi muito bem recebido no Festival de Cinema de Cannes. A equipe causou polêmica no Brasil ao se manifestar durante o festival francês contra o golpe que provocou o impeachment da presidente Dilma. Isso provocou um chamamento de boicote ao filme no Brasil. Mesmo assim, Aquarius fez uma boa bilheteria, até porque os "boicotadores" não costumam mesmo ir ao cinema ou ver filmes mais complexos.
Sônia Braga recebeu vários prêmios pelo papel de Clara e Aquarius foi o vencedor do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro.



Abertura, escolha do filme e mediação por Brígida de Poli


Uma escuta, por Edna Domenica Merola

No filme, Aquarius é o nome do prédio no qual a última moradora se opõe à compra pleiteada por uma incorporadora. Aparentemente, a temática é existencial. No entanto, o olhar da protagonista Clara tece o ângulo privilegiado da recepção da narrativa das histórias de vida de mulheres que lutaram pela justiça social nos anos 1960 a 2014. Destaca, ainda, o ano de 1980: um marco temporal importante na queda econômica da classe média. Ressalta a definição de classe social a partir da ocupação do espaço urbano dos grandes centros, a exemplo, dos condomínios de alto padrão à beira mar, nessas cidades.
A narrativa é linear. O ritmo do filme nos faz conviver com Clara por meio da escuta de sua fala pausada que provoca reflexão e nos desacomoda dos nossos lugares sociais. 
Para os fãs de Sônia Braga, vale conferir mais esse excelente trabalho!


Sobre o filme Aquarius. Marlene Xavier Nobre

Cada cena que via, na minha mente, fazia uma viagem no tempo.
Vi na personagem da Clara o mito de Lilith. A mulher, mesmo tendo conseguido o seu espaço, ainda hoje paga um preço alto por isso.  Por ter passado por uma mastectomia e quando envelhece, pra muitos é como se fosse pecado sentir desejos.
Quando uma mulher se libera sexualmente é tachada de tudo, fica visada, é olhada como prostituta. O homem e o dinheiro ainda prevalecem nessa sociedade absurda e suja. O filme mostrou várias faces da sociedade. Nos dias atuais, muita coisa já mudou, mas falta ainda muito. Infelizmente, ainda existem muitas mulheres submissas, emocional e financeiramente. É preciso ainda muita conscientização. É necessário reivindicar todos os nossos direitos. Essa luta tem pela frente um grande chão, para percorrê-lo precisamos dar as mãos. Sinto e vejo que a mulher tem uma força sobrenatural. A mulher ama e enxerga qualquer alma que clama.
A personagem mostrou força e muita garra, provou que a mulher é forte, mesmo tendo todos os motivos para ser frágil. Provou que as mulheres decidirão pra onde vão, pois lugar de mulher é onde ela quiser.

Reflexões sobre Aquarius, por Clara Pelaez Alvarez

Ao longo da vida vamos nos apegando a coisas e lugares. À medida que envelhecemos parece que mais entranhados ficamos na matéria. Mas estamos condenados à mudança. Vivemos numa sociedade instável em busca estabilidade. A impermanência embora seja tudo que há causa sofrimento.
Engraçado ver que a família piamente contava os grandes feitos da tia aniversariante enquanto ela se lembrava das grandes transadas com o amante casado. No fim das contas danem-se os diplomas, troféus e comendas. Divertido mesmo são as loucuras de alcova, os combates de Vênus, como já dizia Virgílio.


No mais é briga de redes dominantes. De gente que é e que conhece gente poderosa. Ao melhor estilo brasileiro tudo se resolve debaixo do pano, no jeitinho. Era uma grande corporação, mas ela era uma cidadã ilustre. Dois peões adiante e uma dama na diagonal: cheque mate.

Brígida de Poli é jornalista, cronista, cinéfila, colunista do Portal Making Of  http://portalmakingof.com.br/cine-e-series . Simpatizante e voluntária em prol dos direitos e do bem-estar de refugiados. Idealizadora e mediadora do Lendo Cinema, autora do livro As Mulheres de Minha Vida, Coleção Palavra de Mulher, Editora Insular https://insular.com.br/produto/as-mulheres-da-minha-vida/
Clara Pelaez Alvarez  é pesquisadora da ciência das redes.
Edna Domenica Merola, pedagoga e psicóloga, mestre em Educação e Comunicação, participa de Lendo Cinema ); de Textos Curtos da Biblioteca do CIC (com Gilberto Motta e Esni Soares); das aulas sobre música popular brasileira ministradas por Alberto Gonçalves. Autora do livro As Marias de San Gennaro, Coleção Palavra de Mulher, Editora Insular https://insular.com.br/produto/as-marias-de-san-gennaro
Marlene Xavier Nobre é autora do livro Lembranças e Esperanças de uma mulher, Coleção Palavra de Mulher, Editora Insular https://insular.com.br/produto/lembrancas-e-esperancas-de-uma-mulher/


Links para leitura de postagens anteriores de Lendo Cinema



Lendo cinema I – O Jantar (Oren Moverman, 2017)

Lendo cinema II – As Baleias de Agosto (Lindsey Anderson, 1987)

Lendo cinema III – Eu, Daniel Blake (Ken Loach, 2016)

Lendo cinema IV – O Cidadão Ilustre (Mariano Cohn, 2017)

Lendo cinema V – A Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batatas (Mike Newell, 2017)

Lendo cinema VI – O Filme da Minha Vida (Selton Melo, 2017)

Lendo Cinema VII – Nossas Noites (Ritshe Batra, 2017)

Lendo Cinema VIII – O Filho da Noiva (Juan José Campanella, 2001)

Lendo Cinema IX – O Vazio do Domingo (Ramón Salazar, 2018)

Lendo Cinema X – Whisky (Juan Pablo Rebella, Pablo Stoll, 2004)  

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