quarta-feira, 4 de maio de 2016

Memória e Música: aula do Prof Alberto Gonçalves no N.E.T.I. Por Edna Domenica Merola.


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Sobre outros trabalhos do professor Alberto Gonçalves nas Oficinas de Criação Literária do NETI, vide o link:
http://netiativo.blogspot.com.br/2014/08/musica-poesia-edna-domenica-merola.html

Aula de 5/5/2016 
‒ ministrada pelo professor Alberto Gonçalves 
‒ Tema: Memória & Música Cantada. 

Ilustrou-se com
Samba de uma nota só: composição de Antonio Carlos JOBIM e Newton MENDONÇA. E cuja gravação mais famosa, no Brasil, foi com João Gilberto, em 1960. 
Alegria, Alegria: de Caetano VELOSO. 
O Bêbado e a Equilibrista: de João BOSCO e Aldir BLANC.

Décadas referidas: sessenta e setenta do século XX.

Ao ministrar aula no projeto de extensão universitária da UFSC aberto para pessoas maiores de 50 anos, deparamo-nos com a questão da memória. Esse item se torna mais importante ainda no contexto das Oficinas de Escrita Criativa. A clientela ao inscrever-se em tal curso almeja aprimorar instrumentos de expressão em geral, mas em alguns casos há o desejo de publicar uma autobiografia. No entanto, a docência da escrita criativa impinge-se a tarefa de ensinar a trazer o novo para o lugar do velho. Seriam docente e alunos dois veículos andando em direções opostas numa única via?
Valeu-nos em tal impasse as explicações dadas pela professora Jeanne Marie Gagnebin. Para ela, a memória é paradoxal posto que é ativa e passiva. A memória é uma instância ativa já que querer lembrar é algo ligado ao aprendizado. E como instância afetiva é passiva e só pode ser acessada por imagens (tipo de registro que antecede à aquisição da linguagem).  
Na aprendizagem, uma vez formado o hábito, o indivíduo não tem mais que se esforçar para lembrar; a memória passa a ser espontânea. O que garante a fidelidade das imagens mnêmicas? Platão explica pela "tábua de cera e a escrita". A cera dura quebra. Se o rastro é fraco não adianta a cera ser boa.
A memória é ligada ao presente. Dependendo do momento que lembramos, lembramos diferente. A memória reenvia ao passado, mas também ao presente daquele que lembra. A memória é lembrar-se de si mesmo: é identidade. A construção da história e da identidade é ligada à narração. A identidade se altera conforme as diferentes narrações que faz sobre si mesma. Mesmo quando a pessoa que toma a palavra é a mesma, mas a enunciação é outra (depois de 20 ou 30 anos).
A memória afetiva é peculiar do nascimento até os dois anos. Essa 'memória' (dependente dos sentidos) é forte porque não pode ser transformada em lembranças. Sentimentos primeiros (não verbalizados) são lembrados pelo medo, pelo cheiro, pelo gosto e retidos em imagens.
Sem o convívio social a criança não aprende a se expressar, já que a defesa vem da aprendizagem na célula familiar e não do instinto.

A memória coletiva vem de um polo narrador ou de vários narradores e não de um enunciador individual ou de um narrador. 
Para Ricoeur, há dialética entre lembrar do presente e lembrar do passado. 
A obra de Platão  Diálogos   tem influência da oralidade. A escrita é relativizada. O mito inventado por Platão é supostamente egípcio. A escrita é droga (veneno e remédio) para o esquecimento. O jovem acha que é veneno e o velho acha que é remédio. 
Autobiografia é uma narrativa auto idealizada. O narrador escolhe quais são as lembranças que vai recusar e quais vai lembrar. Rejeita-se determinados documentos ou não, conforme o desejo próprio. Isso complica a questão da verdade.

Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim nasceu no Rio de Janeiro, em 25/01/1927, e faleceu em Nova Iorque, em 08/12/1994). Tom Jobim, foi compositor, maestro, pianista, cantor, arranjador e violonista brasileiro. Tom Jobim compôs o Samba de uma nota só que foi composto em 1959 e lançado em 1962. 

Samba de uma Nota Só. Tom Jobim.



Eis aqui este sambinha feito numa nota só.
Outras notas vão entrar, mas a base é uma só.
Esta outra é consequência do que acabo de dizer.
Como eu sou a consequência inevitável de você.

Quanta gente existe por aí que fala tanto e não diz nada,
Ou quase nada.
Já me utilizei de toda a escala e no final não sobrou nada,
Não deu em nada.

E voltei pra minha nota como eu volto pra você.
Vou contar com uma nota como eu gosto de você.
E quem quer todas as notas: ré, mi, fá, sol, lá, si, dó.
Fica sempre sem nenhuma, fique numa nota só.






Caetano Emanuel Viana Teles Veloso nasceu em Santo Amaro (BA),em 7/8/1942). Em 1967, participou do Festival Record com a música Alegria, Alegria. https://www.youtube.com/watch?v=eC4lwEvG3AE


Alegria, Alegria. Caetano Veloso.



Caminhando contra o vento
Sem lenço e sem documento
No sol de quase dezembro
Eu vou

O sol se reparte em crimes
Espaçonaves, guerrilhas
Em cardinales bonitas
Eu vou

Em caras de presidentes
Em grandes beijos de amor
Em dentes, pernas, bandeiras
Bomba e Brigitte Bardot

O sol nas bancas de revista
Me enche de alegria e preguiça
Quem lê tanta notícia
Eu vou

Por entre fotos e nomes
Os olhos cheios de cores
O peito cheio de amores vãos
Eu vou
Por que não, por que não

Ela pensa em casamento
E eu nunca mais fui à escola
Sem lenço e sem documento
Eu vou

Eu tomo uma Coca-Cola
Ela pensa em casamento
E uma canção me consola
Eu vou

Por entre fotos e nomes
Sem livros e sem fuzil
Sem fome, sem telefone
No coração do Brasil

Ela nem sabe até pensei
Em cantar na televisão
O sol é tão bonito
Eu vou

Sem lenço, sem documento
Nada no bolso ou nas mãos
Eu quero seguir vivendo, amor
Eu vou

Por que não, por que não? (3X)


O Bêbado e a Equilibrista é uma composição da dupla João Bosco e Aldir Blanc que ficou conhecida pela interpretação de Elis Regina.

Na memória coletiva brasileira, a música O Bêbado e a Equilibrista remete ao movimento pró “Diretas Já” e pela anistia política – do final da década de 70 do séc. XX.

O Bêbado e a Equilibrista


Caía a tarde feito um viaduto
E um bêbado trajando luto
Me lembrou Carlitos...

A lua
Tal qual a dona do bordel
Pedia a cada estrela fria
Um brilho de aluguel

E nuvens!
Lá no mata-borrão do céu
Chupavam manchas torturadas
Que sufoco!
Louco!
O bêbado com chapéu-coco
Fazia irreverências mil
Pra noite do Brasil.
Meu Brasil!...

Que sonha com a volta
Do irmão do Henfil.
Com tanta gente que partiu
Num rabo de foguete
Chora!
A nossa Pátria
Mãe gentil
Choram Marias
E Clarices
No solo do Brasil...

Mas sei, que uma dor
Assim pungente
Não há de ser inutilmente
A esperança...

Dança na corda bamba
De sombrinha
E em cada passo
Dessa linha
Pode se machucar...

Azar!
A esperança equilibrista
Sabe que o show
De todo artista

Tem que continuar...





O jornalista e escritor brasileiro Henfil (Henrique de Souza Filho) nasceu em Ribeirão das Neves, em 5/2/1944 e faleceu no Rio de Janeiro, em 4/1/1988). O quadrinista e cartunista Henfil
criou o universo discursivo dos polêmicos personagens “Fradins”: construiu uma “crítica política e de costumes que colocou em xeque, por um lado, o cristianismo oficioso das elites políticas e religiosas e, por outro, os simulacros sociais. No caso em questão não se trata apenas da crítica à devoção, mas especificamente a devoção ao poder. Defendo a premissa de que por intermédio do grotesco e do fantástico, em conjunto com a ironia e a carnavalização, Henfil desmistificou as deidades políticas e religiosas, substituindo-as pela dúvida e colocando-as lado a lado com o ridículo. Deste modo, o humor henfiliano representou um esforço de resistência, ao mesmo tempo em que contribuiu para a luta política contra a ditadura militar.” (PIRES, 2006).




REFERÊNCIAS


BLANC, A. e BOSCO, J. O Bêbado e a Equilibrista. Disponível em
https://www.letras.mus.br/elis-regina/45679/


GAGNEBIN,  Jeanne Marie. Entrevista UNICAMP. Disponível em
https://youtu.be/b_v0-t2vnWY


GONÇALVES, Alberto. http://admusicaalberto.blogspot.com.br/


JOBIM, A. C. B. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=0vSgcN8aCZ4


MEROLA, E. D. O Bêbado e a Equilibrista. Disponível em 


PIRES, Maria da Conceição Francisca. Cultura e Política nos Quadrinhos de Henfil. História, São Paulo, v. 25, n. 2 p. 94-114, 2006. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/his/v25n2/04.pdf


RICOEUR, P. A memória, a história, o esquecimento. Trad. bras. Alain François. Ed. UNICAMP, 2008. 


VELOSO, C. Alegria, alegria. Disponível em https://www.letras.mus.br/caetano-veloso/43867/


ADENDO I - Tarefa

Tendo por objetivo incentivar a ESCRITA POÉTICA pela via da audição de músicas cantadas, recomendamos por tarefa – seguir os passos:
1 - Ler a letra das músicas:
Samba de uma Nota Só. Tom Jobim e
https://www.youtube.com/watch?v=0vSgcN8aCZ4

Alegria, Alegria. Caetano Veloso.
https://www.letras.mus.br/caetano-veloso/43867/

O Bêbado e a Equilibrista
https://www.letras.mus.br/elis-regina/45679/

2 - Escolher os versos mais significativos para você neste momento.
Lembrete: cada verso é uma linha do poema ou letra da música.

3- Reunir os versos escolhidos das 3 letras e organize-os dando-lhes um sentido.

4- Compartilhar sua colagem poética.


ADENDO II - Textos Ilustrativos

A partir da audição de músicas escolhidas por alunos da turma 2016.1., construímos dois textos ilustrativos, a saber: "Num pedacinho de terra que um dia enfim, descolorirá" e "Construção".

As escolhas de audição musical feitas por Adalgisa, Arlete, Carmem, Cleide, Mara Lúcia, Maria Antonia, Maria Juçara, Terezinha e Vânio foram tomadas por matéria prima da construção de um texto em versos (citados) de autoria da professora. Trata-se de diálogo entre a audição musical como composição antiga e alheia e a composição autoral como exercício cognitivo semelhante ao do quebra-cabeça. Para ler, acesse o link:
http://aquecendoaescrita.blogspot.com.br/2016/04/num-pedacinho-de-terra-que-um-dia-enfim.html


As escolhas de audição musical feitas por Maria Inês, Dulcirene, Edna Luiza, Marlene, Neide, Vera Lúcia, Janis, Dulce e Álvaro Frazão foram narradas no pequeno texto redigido pela professora Edna.
http://aquecendoaescrita.blogspot.com.br/2016/05/construcao-edna-domenica-merola.html


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