Crédito da foto: Edna Domenica Merola |
Você
já se perguntou quais foram as maiores criações da humanidade?
“As
grandes atividades arquetípicas da sociedade humana são, desde início,
inteiramente marcadas pelo jogo. Como por exemplo, no caso da linguagem, esse
primeiro e supremo instrumento que o homem forjou a fim de poder comunicar,
ensinar e comandar. É a linguagem que lhe permite distinguir as coisas,
defini-las e constatá-las, em resumo, designá-las e com essa designação
elevá-las ao domínio do espírito.
Na
criação da fala e da linguagem, brincando com essa maravilhosa faculdade de
designar, é como se o espírito estivesse constantemente saltando entre a
matéria e as coisas pensadas.
Por
detrás de toda expressão abstrata se oculta uma metáfora, e toda metáfora é
jogo de palavras. Assim, ao dar expressão à vida, o homem cria um outro mundo,
um mundo poético, ao lado do mundo da natureza. As grandes atividades
arquetípicas da sociedade humana são, desde início, inteiramente marcadas pelo
jogo. (HUIZINGA, 2000, p 7).
Refletir
sobre as funções da linguagem –“comunicar, ensinar e comandar”– implica em
pensar que a escrita é representação da realidade pelo viés da ‘voz’ do autor,
quer seja ele um historiador contemporâneo ou um cronista do rei (diretamente
subordinado aos monarcas europeus). A representação da realidade é cristalizada
pela escrita.
A
escrita literária não faz contrato integral com narrações da realidade
compactuada. Inventar (mentir) enriquece a narrativa ficcional. Essa
“privilegia apenas um ou dois pontos de vista a partir dos quais a história
pode ser contada e concentra-se no modo como os acontecimentos afetam esses
pontos de vista.” (LODGE, 2011, p 36).
O
discurso ficcional serve para mostrar e para tal cria as falas dos personagens.
Serve ainda para dizer por meio do resumo autoral, no qual “a concisão e a
abstração da linguagem do narrador apagam o caráter particular e individual dos
personagens e de suas ações.” (LODGE, 2011.).
O
discurso literário distingue-se dos demais, e isso não ocorre pelo simples fato
de usar a norma culta. Há escritores que utilizam a linguagem coloquial,
enriquecendo sua criação com isso. Para efeitos de ensino em oficinas de
criação costumo dizer aos iniciantes que coloquem seus conhecimentos da norma
culta na voz do narrador ou personagem da elite cultural em contexto social; e a linguagem informal no contexto íntimo ou na fala dos personagens populares. Mas
provavelmente se libertarão dessa receitinha, ao sentirem-se seguros para criar discursos específicos que nascem juntos com o narrador, os personagens, o contexto.
Sem
aprofundar a discussão sobre o impacto do uso da norma culta na qualidade
estética de um texto, apresento algumas considerações sobre clareza e concisão
textual.“A verdadeira questão não é – nunca foi – o número de palavras, mas a
eficiência com que elas dão conta do trabalho que foram convocadas a
desempenhar. Se a concisão tem valor parcial, adequada a certos estilos mas não
a outros, arrisco dizer que a clareza é um valor universal: até uma história
intencionalmente obscura precisa ser expressa com palavras nítidas. [...] cabe
ao escritor deixar em foco os conflitos principais da sua história. Às vezes se
aprimora o foco por subtração, outras vezes por adição. Uma cena a mais, um
parágrafo descritivo a mais, um diálogo a mais podem ser exatamente o que faltava
para tornar vigoroso um texto até então capenga e flácido.” (RODRIGUES, 2013).
ADENDO: Um texto que brinca com os nomes de algumas figuras de palavras.
Antes de apresentar um texto jocoso sobre a recepção das palavras metonímia, catacrese e metáfora, explico a etimologia delas, já que sem esse conhecimento prévio, o leitor não conseguiria achar nenhuma graça no texto!
A
palavra catacrese vem do latim
catachresis, que tem origem no grego katakhresis, que significa “mau uso”.
Aplicado à figura de linguagem, o termo tem o significado de mau uso das
palavras.
A
palavra metonímia deriva do grego
metonymía. Pela etimologia da palavra temos que met quer dizer “mudança” Onímia (ou o termo onoma) significa “nome”. Metonímia é “mudança de
nome”. A troca das palavras é feita respeitando-se uma relação objetiva que há
entre elas, uma clara associação de ideias que é facilmente percebida.
Pela etimologia da palavra metáfora temos que meta = além. A
metáfora ocorre quando se utiliza uma palavra fora do seu sentido básico, por
efeito de semelhança. No sentido metafórico, o termo real A e o termo ideal B
se juntam pela lembrança que um evoca do outro. Metáfora, ao pé da letra, significa
transposição por similaridade.
NonSense no Ano do Dragão. MEROLA (2012)
Em
2012, em Florianópolis, enfrentei corajosamente o período denominado pelo
horóscopo chinês de Ano do Dragão. Foi nesse espírito que em onze de fevereiro
desse ano resolvi trocar alguns hábitos, a exemplo: de colocar a razão acima do
coração.
Ver
detalhadamente o que há de emocional nos acontecimentos da vida para saboreá-la
mais intensamente é uma experiência para poucos: uma conquista árdua. Arrancar
o hábito de racionalizar acontecimentos e sentimentos (como a escola nos
inculcou desde tenra idade) exige o exercício e o controle das emoções.
[...]
Após tanta reflexão, começo a me sentir tomada pela necessidade de correr o
risco de fazer algumas revisões vitais. Sou apaixonada por literatura, mas
recentemente andei implicando com os nomes que a teoria literária utiliza para
se referir a alguns tropos ou palavras utilizadas em sentido figurado.
As
palavras metáfora, metonímia, catacrese não parecem referir-se a boas coisas no
sentido cristão do termo! E, no entanto, são lindas, quando bem usadas por
corações e mentes em estado de criação.
Deparo-me
com a necessidade de criar um ritual. Penso que um batismo pode expurgar dessas
figuras o pecado originalmente cometido de colocar-lhes nomes exclusivamente
para o entendimento e memorização dos versados em etimologia de palavras. O que
as torna definitivamente impopulares.
Então
começo o ritual de rebatismos... Depois de mais de quarenta anos de vida íntima
com essas figuras penso que tenho esse direito.
Sei
que a metáfora é a palavra ou expressão que produz sentidos figurados por meio
de comparações implícitas. O exemplo de uso dado frequentemente é o verso de
Camões: "Amor é fogo que arde sem se ver”.
Já
o som da palavra metáfora... parece se referir ao estabelecimento de uma meta
ou de um alvo a ser alcançado, mas que está fora. Não sei o que ou quem está
fora. Mas me basta saber que não está dentro e que, portanto, é desatualizado
ou inapropriado. Então basta! Eu a chamarei de “pode entrar é por aqui!”
A
metonímia é “um Deus que me perdoe” pelas suas quatro letras iniciais que podem
ser tomadas como referente à ação libidinosa, pecaminosa, desastrosa num
poema... E depois tem o célebre uso dessa figura por José de Alencar, quando
descreveu Iracema como a “virgem dos lábios de mel”... alimento proibido para
diabéticos e obesos! Dizer que a índia era virgem, negando- lhe o direito de
ser uma mulher normal! E ainda fazer propaganda de cosméticos para lábios à
custa de abelhinhas escravas! É uma palavra que arremesso, jogo, descarto, meto
fora... essa metonímia. Portanto, a metonímia chamá-la-ei “de lábios de
hambúrguer”. Os alunos da sétima série do Ensino Fundamental elegeram essa
expressão em consulta nacional recente. Está feito!
A
escolha do novo nome da catacrese é um tanto extensa e pode parecer “sem pé nem
cabeça”, mas todos nós sabemos que a expressão “pés da mesa” é um exemplo de
catacrese. A mesa é um objeto presente na vida afora, mas ainda inatingível
para os bebês que engatinham. Ainda excluídos do Movimento dos Pés Livres, os
bebês são impedidos de escalar a almejada mesa, por motivos adultos e não
pessoais. Por isso, em tempos de inclusão, a catacrese fica aqui chamada de
“escalar o colo da avó”.
Curiosamente,
a soma do número de letras das três palavras metáfora, metonímia, catacrese é
igual a vinte e seis o que equivale a oito, que significa o que permanece em
equilíbrio. O que pode vir a significar que tentar se libertar da mesmice pode
gerar equilíbrio.
[...] Escolho ver minhas elucubrações como
amigas de folguedos... E então resolvo ficar com a visão nonsense que me serviu
para sobrepujar racionalismos inócuos. Fico com minha opinião de que: importa
mais rir de alegria sem razão, do que construir castelo de racionalização.
Exemplo do uso
de Linguagem Metafórica, na música popular brasileira. Pedaço de Mim. Chico
Buarque de Holanda.
Oh,
pedaço de mim
Oh,
metade arrancada de mim
Leva
o vulto teu
Que
a saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu
Ovelha
Negra. Rita Lee.
Foi
quando meu pai
Me
disse:
"Filha,
você é a Ovelha Negra
Da família"
Agora
é hora de você assumir
Uh!
Uh! E sumir!...
REFERÊNCIAS:
ESPESCHIT,
Gustavo. Rascunhos e Narrativas (espeschit@gutoesp).
Disponível
em
http://rascunhosenarrativas.blogspot.com.br/2012/08/metafora-x-metonimia.html
FONSECA, F. C. Metáforas e Metonímias. Disponível em http://pt.slideshare.net/fabianacardosofonseca/metforas-e-metonmias
HOLANDA,
Francisco Buarque. Pedaço de Mim. Disponível em:
Consultado
em 17/02/2016.
HUIZINGA,
Johan. Natureza e Significado do Jogo como Fenômeno Cultural in Homo Ludens,
São Paulo: Perspectiva, 2000, p 7.
LEE,
Rita. Ovelha Negra.
LODGE,
David. A Arte da Ficção. Trad. Bras. Porto Alegre: L& PM Pocket, 2011.
MEROLA,
Edna D. No Ano do Dragão. Florianópolis: Postmix, 2012. P 21-24.
_______________
De que são feitas as Histórias. Florianópolis: Postmix, 2014. P 66.
Metáfora, Metonímia e Catacrese - Língua Afiada
- Episódio 10. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Tyq8GEbwkKM
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