sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Lendo Cinema XII. Prima Sofia,


PRIMA SOFIA - direção: Rebecca Zlotowski-França-2019

A história de A Prima Sofia (Une fille facile) é contada a partir da perspectiva de Naïma (Mina Farid), uma adolescente que vive na charmosa cidade litorânea de Cannes, no sul da França. Ao comemorar 16 anos, ela decide tirar o verão para decidir o que vai fazer da vida. Em princípio, Naima planeja com seu melhor amigo, Dodo (Lakdhar Dridi), fazer um teste para se tornarem atores. No entanto, quando Sofia (Zahia Dehar), sua prima de 22 anos, chega de Paris para passar as férias, Naïma é seduzida pelo seu estilo de vida livre.  As duas jovens se tornam inseparáveis, passando os dias na praia e as noites em boates. Logo, começam a chamar a atenção de homens mais velhos. Assim, elas conhecem Andrés e Phillipe, que passeiam pela Riviera Francesa em seu iate de luxo.  Se para Sofia aquele é um mundo bem conhecido, para Naima é uma nova e surpreendente experiência.

A Prima Sofia ganhou o Prêmio SACD na Quinzena dos Realizadores, tradicional mostra paralela do Festival de Cannes, em 2019.

Abertura por Brígida de Poli


Uma imigrante bem comportada. Por Edna Domenica Merola 

Prima Sofia é um filme com uma fotografia linda, mostra paisagens marítimas e praianas deslumbrantes, mostra a classe alta bem humorada e feliz em seu iate ou sua mansão numa ilha paradisíaca. Mostra também a classe média trabalhadora em serviços gastronômicos e se dá bem, se souber servir corretamente e desaparecer, quando os patrões quiserem. 
O filme não tem cenas de violência ou droga, mas de sexo explícito.
Mostra duas duplas de homens mais velhos e moças jovens. Os homens têm atitudes opostas frente às decisões dos limites perante as relações consentidas. 
A protagonista (menina bem comportada) tem aparência e nome de imigrante; vive na França, e, aos 16 anos, tem que se esforçar para permanecer na mesma classe social de seus ascendentes.
O filme parece querer tampar o sol com a peneira da realidade vivida por adolescentes que devem decidir seu futuro precocemente e se inserir no esquema demandado pelo modelo econômico, e ainda sendo de família de imigrantes e pertencentes à classe média, num país rico. 
A narrativa não é apenas confortável para a classe dominante. A narrativa da menina comportada é tipo um chip implantado em alguém, quer dizer que a fala dela é cooptação com a classe alta. Penso que a pedagogia subjacente é a da meritocracia. O filme parece palanque de plataforma de um partido político de direita da Europa fascista. A mensagem passada é a de que um governo eurocêntrico dá conta de controlar fluxos imigratórios, oferta suficiente de vagas para o primeiro emprego e todo o sonho dourado das camadas abastadas dos países que se inclinam para a postura fascista. Confiram assistindo (quem sabe exagerei...). 

A prima Sofia por Clara Pelaez Alvarez

Este é um filme sobre escravidão. Mas, ao contrário do que parece ser, a escravidão é voluntária ainda que não notada. Algumas opções estão na mesa: a escravidão hormonal, a escravidão ao dinheiro ou a escravidão das “pessoas de bem” (aquelas que trabalham das oito às cinco).
Normalmente estamos o tempo todo nos comparando uns aos outros. Assim aprendemos desde crianças. O resultado de uma comparação raramente é neutro, geralmente alguém ganha, alguém perde. Se quem perde é quem está no ato da comparação, sempre resta depreciar o “ganhador”, julgá-lo ferozmente. Desconfio que essa é a explicação básica por trás das polícias sociais (aquelas pessoas que vigiam o tempo todo o que os outros fazem).
Existem "n" formas de viver a vida. Todas trazem sabores e dores. Pode-se querer algo com muita intensidade e batalhar muito para consegui-lo. Pode-se ir com o fluxo sem pensar muito. Algumas escolhas definem a vida, outras definem apenas o minuto seguinte. Muito difícil saber em que ponto da transição nos encontramos. E está tudo certo.
As meninas fazem suas opções e suas descobertas. Usam e são usadas. Amam e são amadas. E a vida continua inexoravelmente rumo ao amanhã. Qual o tamanho das coisas trinta anos depois que aconteceram?

Brígida de Poli é jornalista, cronista, cinéfila, colunista do Portal Making Of  http://portalmakingof.com.br/cine-e-series
Simpatizante e voluntária em prol dos direitos e do bem-estar de refugiados. Idealizadora e mediadora do Lendo Cinema, autora do livro As Mulheres de Minha Vida, Coleção Palavra de Mulher, Editora Insular

Clara Pelaez Alvarez  é pesquisadora de ciência das redes.

Edna Domenica Merola, pedagoga e psicóloga, mestre em Educação e Comunicação, participa de Lendo Cinema); de Textos Curtos da Biblioteca do CIC (com Gilberto Motta e Esni Soares); das aulas sobre música popular brasileira ministradas por Alberto Gonçalves. Autora do livro As Marias de San Gennaro, Coleção Palavra de Mulher, Editora Insular https://insular.com.br/produto/as-marias-de-san-gennaro


Links de outras postagens de Lendo Cinema:
Lendo cinema I – O Jantar (Oren Moverman, 2017)


Lendo cinema II – As Baleias de Agosto (Lindsey Anderson, 1987)


Lendo cinema III – Eu, Daniel Blake (Ken Loach, 2016)


Lendo cinema IV – O Cidadão Ilustre (Mariano Cohn, 2017)


Lendo cinema V – A Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batatas (Mike Newell, 2017)

Lendo cinema VI – O Filme da Minha Vida (Selton Melo, 2017)


Lendo Cinema VII – Nossas Noites (Ritshe Batra, 2017)


Lendo Cinema VIII – O Filho da Noiva (Juan José Campanella, 2001)


Lendo Cinema IX – O Vazio do Domingo (Ramón Salazar, 2018)


Lendo Cinema X – Whisky (Juan Pablo Rebella, Pablo Stoll, 2004)


Lendo Cinema X I –  Aquarius (Kléber Mendonça, 2016)
https://netiativo.blogspot.com/2020/08/lendo-cinema-xi.html

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