My Happy Family
Linguagem
original: Georgiano.
Diretores:
Nana Ekvtimishvili e Simon Groß.
Produtor:
Jonas Katzenstein, Maximilian Leo.
Data
de lançamento (streaming): 1 de dezembro de 2017.
Tempo
de execução: 2 horas.
Escrito
pela filósofa Nana Ekvtimishvili cuja filmografia inclui ainda: In Bloom (2013),
Esperando pela mamãe (2011), Lost Mainland (2008), Fata Morgana
(2007).
Trilha
sonora “feita pelos próprios atores [mostra] pela música um pouco da cultura
regional e o talento de voz e violão da nossa protagonista.” (1)
A interpretação do: “elenco [dá] um banho em
muitos [atores] que já estão no mercado há tempos.”
(1) https://www.minhavisaodocinema.com.br/2018/02/critica-my-happy-family-2017-de-nana.html
My Happy Family (2017) foi indicado pela cinéfila Brígida de Poli (Portal Makingoff).
Ao assistir ao filme, notei que os cantos masculinos são corais e o canto feminino é "single" acompanhado ao violão pela própria vocal. O canto coral masculino lembrou-me algo ancestral como a dança masculina grega e até o coro da tragédia grega por reiterar preceitos sociais. O coro de vozes masculinas traz temas masculinos . Uma letra que me chamou a atenção fala da conquista da amada pelo agricultor que a abate literalmente em campo (desculpem-me a expressão!). Mas as melodias são românticas e a performance traz algo de solene.
As falas masculinas são de proteção à mulher e até de respeito, porém normativas e prescritivas. Remontam ao "shame culture" (cultura da vergonha).
Considerando o conceito budista de felicidade em oposição à crença na roda da fortuna, elocubramos que, na cultura ocidental, o aniversário é o dia de comemorar a vida, é o dia de receber votos de felicidades. No entanto, a família julga os indivíduos o tempo todo ao invés de celebrá-los constantemente e, dessa maneira, celebrar a vida. O aniversário é o dia de olhar para o lado de cima da roda da vida, atribuindo a fatores externos os aspectos bons da vida, ao invés de encará-la como algo sem dualismo (céu e inferno). Considerando o conceito budista de felicidade, propomos uma reflexão sobre como seria a educação para a felicidade. Na família, o julgamento excessivo é uma forma de violência ou é “educativo”? O julgamento e o controle geram felicidade? Como funcionam: julgar, controlar e colocar limites?
O fato do enredo do filme partir do aniversário de 52 anos da protagonista do filme instigou-me a verificar os significados atribuídos pela numerologia ao número referido. Quando esse número chega na vida da pessoa ajuda-a a enfrentar o medo da mudança para alcançar novos horizontes
https://www.proveitoso.com/significado-do-numero-52-numerologia-cinquenta-e-dois/
Essa tarefa de superação não é exclusivamente feminina. Dessa maneira, a nosso ver, o filme indaga indiretamente sobre as tarefas de emancipação feminina na família patriarcal.
Eu farei uma análise
do filme, à luz das questões feministas e da posição assumida pela mulher
(personagem principal do filme, a professora Manana). Esta análise está de acordo com a compreensão
do pensamento da filósofa francesa Elisabeth Badinter, que diz, a respeito do
feminismo, em seu livro intitulado, no original, Fausse Route. Em
portugês, tradução livre: Maneira errada, ou ainda, Caminho errado.
Inicialmente
colocarei três citações tiradas deste livro de Badinter:
1-A realidade é
infinitamente mais complexa oferecendo a cada um dos dois sexos argumentos para
se dizerem vítimas um do outro.
2-As relações
homem-mulher podem diferir bastante, de acordo com as classes sociais e as gerações
a que pertencem.
3-A razão primeira
do feminismo, em todas as suas tendências, é de instaurar a igualdade dos sexos
e não exatamente a de melhorar as relações entre homens e mulheres. Neste
sentido Badinter encerra seu livro dizendo que, buscar a igualdade dos sexos,
pode ser um falso caminho (Fausse Route).
Sobre minhas memórias sobre o filme, diria que, não sou muito ligada a detalhes e, deste filme, visto há pouco tempo, eu apenas lembrava que ele foi tocante e que tratava do caso de uma mulher que decidiu sair de casa pra morar sozinha. Um filme simples, mas não simplista. Lembrava ainda do processo de adaptação desta mulher, em sua nova residência, e que, ao final, há sinais de um possível recomeço entre ela, e seu marido que ficou na outra casa vivendo com a família dela. O filme, ao meu ver, sintetiza uma história genérica, mais humana do que feminina propriamente dita. A personagem principal, Manana, que cansa e sai de casa, poderia ser trocada por outro personagem qualquer tal com seu marido, um jovem filho, um dos seus velhos, enfim, é uma história das mazelas humanas dentro da organização social denominada família e da organização social atual.
O filme se
desenrola mostrando gradualmente o processo de mudança de alguém que busca
outra forma de se relacionar com a vida.
Sobre a citação 1
de Badinter, que vê múltiplas razões para mulheres e homens se considerarem
vítimas, uns dos outros, a personagem Manana, justamente não se colocou numa
posição feminina de vítima dos homens, ou mesmo do sistema geral. De forma
calma, porém decidida, ela tomou a sua atitude de sair do ambiente família que
a estava oprimindo.
A citação 2 de
Badinter, se refere às relações homem-mulher,
contextualizando no ambiente social e histórico, característica, esta, que
me agrada bastante no pensamento expresso por esta autora. Neste ponto citado,
segundo a história narrada no filme, o foco está nos conflitos entre as
relações familiares em geral. Estas relações são influenciadas sim, de acordo
com a classe social. Neste filme temos uma grande família, de categoria social
classe média baixa, vivendo sob o mesmo teto, onde o pouco espaço físico leva à
invasão da privacidade de cada membro da família.
E sobre a citação
3 de Badinter, que é muito contundente e genérica. Ela identifica uma diferença
crucial entre a luta pela igualdade dos sexos, e a luta pela evolução das
relações humanas de forma harmônica, sem dominação. Neste mesmo sentido, ao meu
ver, nos dias de hoje, mais parece que a mulher está guerreando para conquistar
igual, e idêntico, poder que foi predominantemente exercido pelos homens. Os
homens, usualmente, se caracterizam por ser mais pavões, mais explícitos, mais
imediatistas. Olhou, gostou, comeu. Homem sempre foi o mais forte, o mais
músculos, o mais garanhão (o pegador). Até lembrei do imperador romano que
disse: vim, vi, venci. E as mulheres de hoje, o que querem? Querem ser
igualmente mais-mais. Mas altas (salto do sapato alto de 12 cm), cílios
postiços de 1.5 cm, peito maior, silicone nele. Boca maior, enxerto nela, e por
aí a fora. Atitude, de pegar, de transar no primeiro encontro, de forma
pública, sem hipocrisia (o que parece, a primeira vista, se uma conquista
importante). Tudo isto dentro de uma tendência destas recentes gerações. Mas
temos que pontuar, como também o faz Badinter, que não se pode generalizar para
enquadrar todas as mulheres neste padrão- tendência. Temos que aceitar também
que nem todos os homens se comportam dentro deste padrão machista, que é,
igualmente, uma tendência, mesmo que ainda predominante. O poder de dominação,
historicamente exercido pelos homens, também contou com algumas personagens
históricas femininas, de igual força e maldade.
A conclusão sobre este assunto, que parece ter fugido um pouco das memórias do filme, mas é tudo a ver, é de que há que se criar uma estratégia para lidar com os problemas humanos que poupe energia gerada na fragmentação das diferentes categorias. Ao se focar nos direitos humanos, e lutarmos pela justiça social, automaticamente será contemplada, não apenas a mulher, tradicionalmente dominada no mundo machista, mas também, uma parcela minoritária, mas real, de homens dominados separados por categorias específicas (índios, homossexuais, negros, crianças...). Isso tem criado batalhas sem fim e alguns paradoxos. Para mudar o foco, deverá ser envolvida uma mudança estrutural sistêmica profunda. É difícil? Sim. Mas se não tivermos esta perspectiva, a ser atingida, vai-se continuar gastando pólvora em focos específicos gerando caos. É mulher divergindo de mulher. Por exemplo, mulher branca esnobando mulher negra. Aliás, agora não é suficiente ser mulher branca, tem de ser mulher loira. Já notaram a quantidade de loiras arianas, falsas, por aí? É mulher divergindo de homem. É mulher indígena divergindo de mulher urbana típica. É gay divergindo de hetero, parecendo até, em algumas situações mais radicais, que ser hetero seria defeito. Contra tanta opressão, somente humanização, compreensão e flexibilidade diante das diferenças, vai dar jeito.
Para retornar ao tema do filme My Happy Family (ah, vocês pensaram que eu não ia voltar ao filme né?) Divaguei, mas voltei para dar o desfecho necessário para o filme em questão. Podemos concluir que este filme primou por um roteiro espetacular. Um filme épico onde a heroína mostra características inegavelmente humanas, mesmo que possamos ter visto pelo foco de uma mulher, até ali, submetida ao marido, aos filhos e aos seus genitores, Manana demonstrou ser uma mulher-gente. Uma mulher vencedora porque venceu sua própria luta interna. Um filme muito positivo pois não vitimizou a situação feminina e mostrou enfim uma pessoa-mulher vencedora.